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21/04/2016  - A missão da defesa no Júri
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso, Presidente da Associação dos Promotores do Júri (Confraria do Júri), Coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do Ministério Público de Mato Grosso e Editor do blogue Promotor de Justiça.

Os crimes que violam o direito de viver são julgados pelo Tribunal do Júri. Ressai do texto constitucional que a última palavra sobre os delitos de homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto pertencem à sociedade.

O caso penal é submetido a uma filtragem severa até chegar ao Tribunal do Júri. Ainda na primeira fase da persecução penal, o Ministério Público, na análise do caso, dispõe de três alternativas: o fomento de novas diligências, o arquivamento da investigação e, por último, a apresentação de denúncia ao Judiciário.

Recebida a ação penal pelo juiz, inicia-se a segunda fase da persecução penal e, após a instrução processual, ao Ministério Público e Judiciário apresentam-se quatro possibilidades: absolvição sumária, impronúncia, desclassificação ou pronúncia, passíveis de recursos às instâncias superiores.

Logo, quando o réu é encaminhado a julgamento pelo Tribunal do Júri por meio da preclusão da pronúncia um longo caminho fora percorrido. Afinal, essa providência só é possível quando houver prova segura da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Nas palavras de Vicente Greco Filho (1), “o raciocínio do juiz na pronúncia, então, deve ser o seguinte: segundo minha convicção, se este réu for condenado haverá uma injustiça? Se sim, a decisão deverá ser a impronúncia ou a absolvição sumária”.

Bem se vê que a decisão de pronúncia deve estar afinada com o conjunto probatório. Isso significa dizer que, com o devido controle, dificilmente um processo anêmico ou tíbio de provas será submetido a julgamento pela Corte Popular.

O defensor, privado ou público, no Tribunal do Júri tem a difícil missão de arrostar ou mitigar a acusação instalada na denúncia e delimitada na pronúncia. Informado pelo princípio da plenitude de defesa, deverá sempre buscar a melhora do estado jurídico do acusado. Fazer do preto ao menos o cinza escuro. Para tanto, deve defender, defender e defender, sob pena de o réu ser declarado indefeso e o Conselho de Sentença dissolvido.

É importante, então, que a autodefesa e a defesa técnica falem a mesma língua, sejam harmônicas. A dissonância entre ambas pode comprometer seriamente o princípio da plenitude de defesa.

O controle da defesa plena incumbe ao Ministério Público e ao Judiciário, respectivamente, enquanto fiscal do ordenamento jurídico e garantidor dos direitos e garantias fundamentais do acusado.

Assim, a principal matéria-prima da defesa técnica é a versão apresentada pelo acusado. E aí reside um sério problema, uma vez que, não raro, ela vem recheada de inverdades.

A mentira é um conhecido lubrificante social. Por oportuno, vale este exemplo: não é incomum alguém, ao visitar um amigo ou ente querido adoentado e já em estado terminal, frente à fé ou ao otimismo do moribundo, dizer que ele será curado, ainda que pense exatamente o contrário. Afinal, à esta altura, dizer o que pensa soaria como o cúmulo da insensibilidade e da ausência de compaixão.

A fortiori, é natural e muito comum que o réu, com receio de sofrer a pena prevista em razão da prática do ato criminoso, se defenda pela via do escamoteamento ou embotamento da verdade (2). E isso vem desde o Éden com a negativa de autoria de Caim, ao ser interrogado por Deus sobre o paradeiro de Abel, depois de assassiná-lo.

Parafraseando Piero Calamandrei (3), a briga entre o acusado e a verdade é tão antiga quanto a que existe entre o diabo e a água benta.

Diferente do Promotor de Justiça, dono da opinião de convicção, o defensor carrega a opinião de conveniência. Isto é, deve lançar mão de tese conveniente para o réu, ainda que sua convicção seja outra sobre a causa.

Em razão do princípio da plenitude de defesa e do quesito obrigatório de absolvição, há um amplo cardápio de teses, jurídicas e extrajurídicas, à disposição da defesa.

De duas, uma: o acusado nega ou justifica o crime. A confissão pura e simples é coisa rara. Há teses e argumentos para todos os gostos. Não bastasse isso, a estratégia de confundir os jurados é frequentemente utilizada.

A propósito, esse é o sentido da orientação do advogado João Meireles Camara(4), que desfruta de vasta experiência na advocacia criminal: “Sabemos que quando o caso está muito difícil, com uma condenação certa, ao conseguir confundir os jurados, estamos fazendo um grande trabalho em favor da defesa...o orador nunca deve mentir, mas, se o fizer, deve dar tanta ênfase, de modo aparecer verdade”.

Não à toa que o artigo 23 do novel Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil dispõe que “é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”.

Na linguagem dos antigos, o defensor é o vozeiro, o arrazoador, o porta-voz do réu(5), que fala em seu nome, não fala por si, mas por outrem e, no exercício da profissão, obriga-se a dizer mesmo aquilo que contraria suas próprias convicções.

Por mais chocante que seja o crime, todo acusado tem o direito à defesa técnica, privada ou pública. Essa providência deve ser rigorosamente observada, sob pena de inquestionável nulidade absoluta.

Daí a relevância do papel da defesa no Tribunal do Júri, pois se apresenta perante a sociedade como a última porta de esperança do réu em ver a pena arrostada ou arrefecida, em nome do princípio da plenitude de defesa e do direito à liberdade.

Defender até mesmo o indefensável. Uma missão hercúlea e árdua é a da defesa, mormente no Tribunal do Júri.

Enfim, seguindo os ensinamentos da famosa carta de Rui Barbosa (6) a Evaristo de Moraes, redigida em 26 de outubro de 1911, que fora positivada pelo citado artigo, a conclusão é que não há causa criminal indigna de defesa, cumprindo ao advogado, ainda que tenha opinião diversa, agir, como defensor, no sentido de que a todos seja concedido tratamento condizente com a dignidade da pessoa humana, sob a égide das garantias constitucionais. E é no Tribunal do Júri que esse papel é exercido ostensivamente junto à sociedade, em homenagem à defesa plena e ao direito à liberdade.
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1 - GRECO FILHO, Vicente. Questões polêmicas sobre a pronúncia. Tribunal do júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999, p. 119.

2 - Vide http://promotordejustica.blogspot.com.br/2011/08/mentira-do-acusado.html

3
- CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 121.

4 - CAMARA, João Meireles. No plenário do júri. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 20.

5 - OLIVEIRA, João Gualberto. História dos Órgãos de Classe dos Advogados. São Paulo, Indústria Gráfica Bentivegna, 1968, p. 136.

6 - BARBOSA, Rui. O dever do advogado. São Paulo: Rideel, 2006.

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