César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso, presidente da Confraria do Júri e editor do blogue Promotor de Justiça.
Segundo a Constituição Federal, incumbe ao Tribunal do Júri dar a última e definitiva palavra nos crimes de sangue. Isso porque sua competência é material (crimes dolosos contra a vida) e suas decisões são soberanas.
Daí que nenhum juiz, desembargador ou ministro detém o poder de alterar o mérito dos veredictos populares.
Aos togados, quando provocados em sede recursal ou impugnativa, só restam duas opções: a) determinação de novo julgamento em razão de nulidade ou de decisão manifestamente contrária às provas dos autos; e b) redimensionamento da pena aplicada, pois esta matéria diz respeito à atribuição da própria magistratura.
A experiência demonstra que o novo julgamento popular por ser a decisão manifestamente contrária às provas dos autos ocorre, em regra, diante de absolvições teratológicas, e não de condenações absurdas. E isso é facilmente justificável. Para fins de julgamento pelo Júri, o caso foi devidamente filtrado pela magistratura, inicialmente, por meio do recebimento da denúncia e, finalmente, pela emissão da pronúncia e, muitas vezes, por sua confirmação pelas instâncias recursais.
A propósito, nas palavras de Vicente Greco Filho, “o raciocínio do juiz na pronúncia, então, deve ser o seguinte: segundo minha convicção, se este réu for condenado haverá uma injustiça? Se sim, a decisão deverá ser a impronúncia ou a absolvição sumária”(1.
Logo, é difícil que um processo sem o lastro probatório mínimo seja submetido à apreciação dos jurados. Há um piso básico para a admissão judicial do julgamento pelo Tribunal Popular: prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria ou participação.
Não por outra razão que a regra deve ser o cumprimento instantâneo da decisão dos jurados. Absolvido, o réu deve ser posto em liberdade; ou, condenado, deve iniciar o cumprimento da pena de imediato.
Em caso de nulidade ou decisão totalmente divorciada do conjunto probatório, comprovada documentalmente de plano, poderá a defesa manejar habeas corpus junto às demais instâncias judiciais para fins de proteção do jus libertatis do condenado.
O que não se pode admitir é o que tem ocorrido no país, qual seja, a exceção tornar regra. A jurisprudência e a doutrina majoritárias partem do pressuposto que os jurados estão errados ou que há nulidade processual, ao condicionarem o início do cumprimento da pena à confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça ou, pior ainda, ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Nada poderia estar mais longe da verdade.
Há patente violação à ordem natural das coisas, sacralidade da vida, credibilidade e soberania popular. Enfim, desprezam a noção mais básica de justiça, em nome da liberdade, como se fosse direito absoluto.
Ainda bem que, recentemente, houve uma lufada de lucidez e bom senso na Corte Suprema, especificamente no voto do Ministro Luis Roberto Barroso no HC 118.770/SP, ao declarar o óbvio de que a sentença condenatória emanada do Tribunal do Júri deve ser imediatamente executada.
E nem se diga que esse entendimento fere o princípio da presunção de inocência, já que o mesmo resguarda a proteção eficiente da vida, da democracia e da segurança de todos. Afinal, nunca é demais lembrar que a inviolabilidade e a valorização da vida figuram como complexos axiológicos máximos dos direitos humanos e dos direitos fundamentais e a causa última do Direito é o bem-estar da sociedade.
Por tudo isso é que não se pode admitir o esvaziamento da soberania dos veredictos, expressão suprema da soberania popular no âmbito do Poder Judiciário, como tem feito parcela significativa da doutrina e da jurisprudência. A regra é esta: a condenação pelo Júri torna obrigatório o cumprimento imediato da pena imposta na sentença.
Seja como for, é inadmissível aceitar, como fazem a doutrina e a jusrisprudência, que a exceção seja a regra e que a regra seja exceção.
Entendimento diverso não passa de manobra hermenêutica para fazer da exceção a regra com a única finalidade de impor a agenda oculta da impunidade travestida de pseudoproteção da presunção de inocência à custa de sangue alheio e da destutela do corpo social.
Essa é a conclusão a que o senso de realismo e a honestidade intelectual cobram do intérprete que se dispõe a estudar o verdadeiro significado do princípio da soberania dos veredictos.
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1) GRECO FILHO, Vicente. Questões polêmicas sobre a pronúncia. Tribunal do júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: RT, 1999, p. 119.