- Mordaça Legislativa no Júri - Dez razões para a supressão de censura legislativa no Júri
César Danilo Ribeiro de Novais,
Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e
autor do livro “A Defesa da Vida no
Tribunal do Júri”.
(APONTAMENTO SOBRE A 5ª RELATORIA-PARCIAL
DO PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI - ART. 321
do PL 8045/2010 – NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL - RELATOR-PARCIAL: DEPUTADO POMPEO
DE MATTOS, CUJO RELATÓRIO PARCIAL FOI
APRESENTADO EM 30 DE OUTUBRO DE 2019)
Art. 321 – Durante os debates as partes
não poderão, sob pena de nulidade, fazer
referências: I – Aos fundamentos da
decisão de pronúncia ou das decisões
posteriores que julgaram admissível a
acusação e aos motivos determinantes do
uso de algemas como argumento de
autoridade que beneficiem ou prejudiquem o
acusado; II – ao silêncio do acusado ou à
ausência de interrogatório por falta de
requerimento, em seu prejuízo; III - a
registros criminais, inquéritos policiais,
ações penais em curso e condenações ainda
não transitadas em julgado, bem como aos
depoimentos prestados na fase de
investigação criminal, ressalvada a prova
antecipada.
O DISPOSITIVO DEVE SER SUPRIMIDO do texto
legiferante por 10 (DEZ) RAZÕES BÁSICAS:
1.LIBERDADE DE EXPRESSÃO. A Constituição
Federal protege enfaticamente o direito à
liberdade de expressão. A imprensa é
livre. O artista produz sua obra
livremente. O escritor escreve o que
quiser. O professor é detentor da
liberdade de cátedra. Há liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber. A
manifestação do pensamento não tem
amarras. A crença e o culto andam soltos.
Não há censura;
2.CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA. Ao lado de
outros direitos, a liberdade de expressão
é fundamental para o cumprimento de várias
finalidades, inclusive para a
concretização da justiça;
3. JUSTIÇA DEMOCRÁTICA. Nos ares da
República brasileira, desponta o Tribunal
do Júri como importante ponto de
protagonismo da democracia e da liberdade
de expressão na distribuição da justiça;
4. DEBATE LIVRE. O embate dialético
entre Ministério Público e defesa é a
espoleta do veredicto popular. É diante do
debate livre entre pontos de vista
distintos em torno dos dados do processo,
da legislação, da literatura e da
jurisprudência que os jurados darão a
resposta que lhes pareça mais adequada ao
caso em julgamento;
5. INFORMAÇÃO. Nada mais natural e justo
que a vontade dos jurados seja formada
através do confronto livre de ideias entre
Ministério Público e defesa. É
imprescindível que haja debate com
franqueza e liberdade entre as partes.
Apenas dessa forma os jurados podem ter
acesso aos dados processuais, teses e
ideias existentes sobre questões variadas
que gravitam ao redor do caso em
julgamento, segundo a ótica do promotor de
Justiça e do defensor;
6. PARIDADE DE ARMAS. Nunca é demais
lembrar que o debate no Júri é firmado
entre profissionais maiores, capazes e com
formação jurídica, que atuam em pé de
igualdade. Nada justifica o controle
prévio do que pode ou não ser dito, já que
todo pensamento externado por uma parte
pode ser combatido e infirmado pela outra
parte. Não é preciso qualquer esforço
intelectual para notar que a censura
legislativa em questão é endereçada
claramente ao Ministério Público, gerando
o desequilíbrio entre os pratos da balança
da justiça na discussão da causa;
7. TRANSPARÊNCIA. Os atos e
comportamentos assumidos pelo acusado
durante a persecução penal do Estado, a
exemplo do silêncio, são de suma
importância no contexto da apuração e
julgamento da causa. O porquê de o acusado
estar preso e algemado da mesma forma.
Igualmente, é fundamental que o jurado
conheça a biografia do acusado através de
sua vida pregressa e de seu comportamento
social. A exploração de todos elementos
probatórios colhidos tanto na fase
investigatória como judicial também é de
extrema valia para subsidiar a escolha dos
veredictos pelos jurados;
8. INCREMENTO DA IMPUNIDADE. O
dispositivo em questão, se mantido e
aprovado, será mais uma porta larga para
impunidade. Há menoscabo ao trabalho dos
órgãos investigatórios, sobretudo da
Polícia Judiciária Civil, pois despreza a
importância de seu ofício no sistema de
justiça criminal. Há menosprezo ao
princípio da verdade real, pois
desconsidera o depoimento em bruto que,
segundo Edmond Locard, é prestado logo
após o crime, que guarda máxima
conformidade com o fato ocorrido. A
experiência demonstra que, no calor dos
fatos, as testemunhas tendem a declarar o
que realmente ocorreu. Com o passar do
tempo, vêm o esquecimento, a mudança de
endereço para local incerto, a
(auto)sugestão e a influência dos
envolvidos (acusado, vítima, familiares
etc.). Em outras palavras, diante de uma
prova coesa, verossímil e bem colhida na
fase de investigação, basta que as
testemunhas se retratem em juízo, mudem de
endereço para local incerto ou - numa
visão pessimista, mas possível, mormente
no que diz respeito às organizações
criminosas - que sejam assassinadas antes
do depoimento judicial para que o acusado
alcance a impunidade;
9. VERDADE. Para que o jurado possa
formar sua opinião e eleger seus
veredictos, é importante que lhe seja
garantido o acesso às mais variadas
informações e argumentos das partes. O
Legislativo não pode proibir a utilização
de argumentos pelas partes em plenário do
Júri por entender inadequado aos
interesses de quem quer que seja. Não é
legítimo que o Legislativo regule o que os
jurados podem e o que não podem ouvir. Há
claro atentado contra autonomia tanto da
parte que tem a ideia e não pode expressá-
la como dos jurados que ficam privados de
acessá-la; e
10. SOBERANIA POPULAR. Num palco
democrático como é o Tribunal do Júri, não
há espaço para proscrições legislativas ao
direito de argumentar, desde que
observadas a lealdade processual e a
urbanidade. Os cidadãos-jurados, ungidos
pela soberania dos veredictos, têm o
direito a amplo e irrestrito acesso a
todos os atos e fatos processuais, por
meio do contato direto com os autos e
através das argumentações das partes, para
que, assim, decidam a causa penal com
justiça. Vale dizer, o exercício de debate
livre e aberto aos argumentos das partes
no plenário do Júri é a mais pura
representação da liberdade de expressão
numa sociedade democrática. O melhor
recurso para combater um mau argumento é o
debate com a parte adversa, a qual incumbe
revelar seu desacerto, e jamais a censura
legislativa, como faz o artigo em
destaque.
Por tudo isso, e muito mais, não há
princípio da proporcionalidade que socorra
essa mordaça legislativa à Justiça
Popular, pois o artigo em destaque, além
de vilipendiar os valores mais básicos de
uma sociedade plural, aberta e
democrática, consiste em verdadeira - e
por óbvio, inconstitucional – amputação da
liberdade de expressão e lutuoso atentado
à democrática Instituição do Tribunal do
Júri.
* Pensamentos extraídos do livro: NOVAIS,
César Danilo Ribeiro de. A defesa da vida
no tribunal do júri. 2ª ed. Cuiabá: 2018.