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27/01/2020  - Confissão Qualificada no Homicídio
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

Em 1959, Tom Jobim e Newton Mendonça, num dos pontos altos da Bossa Nova, compuseram a música “Samba de uma nota só”: “Eis aqui este sambinha / Feito numa nota só / Outras notas vão entrar / Mas a base é uma só…”

Não raro, a tática defensiva do acusado perante os jurados é a confissão qualificada. Em seu interrogatório, quando confessa ser o autor do crime, apresenta estas velhas e surradas versões: (a) “(...) Daí ela, a vítima, colocou a mão na cintura, como se fosse puxar uma arma, daí eu me defendi...”; ou (b) “(...) Daí ela, a vítima, me xingou e/ou deu um tapa no meu rosto, o que me fez perder a cabeça e fazer isso aí...”. É o samba de uma nota só. É o enxerto da mentira na tentativa de engazopar o Conselho de Sentença em busca da impunidade (absolvição por legítima defesa ou condenação no homicídio privilegiado por ter “agido” sob o domínio de violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima). A função dessa estratégia de defesa é confundir os jurados no julgamento da causa. Visa infectar o processo penal de interesses tacanhos e nocivos à busca da verdade.

O Código Penal prevê a confissão espontânea como circunstância atenuante da pena. Tal benesse é fruto da colaboração para a descoberta da verdade. Por conseguinte, o acusado deve esclarecer as circunstâncias de fato da causa de modo completo e conforme a verdade para fazer jus à redução da sanção penal. Logo, não é qualquer confissão que autorizará a incidência dessa benesse legal.

Conforme o dicionário Houaiss, “confissão significa revelação de própria culpa, crime, pecado etc.”. Está diretamente ligada à ideia de arrependimento pelo mal praticado. São as vias intelectivas e as vias cordianas do agente revelando o mal praticado na sua inteireza, com sinceridade, sem maquiagem, sem falsidade ou desculpa esfarrapada.

Segundo o art. 389 do CPC, há confissão quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário. Embora referida previsão legislativa não encontre idêntica reprodução na lei adjetiva penal, é inequívoco que tal conceito legal cabe como uma luva no processo penal (art. 3º do CPP).

Logo se vê que o escopo da referida atenuante é “premiar” o agente que se mostra claramente arrependido pelo que fez a partir de uma narrativa sincera, franca e honesta sobre os fatos na sua integralidade, e não apenas sobre o crime a seu bel-prazer (1). A redução da pena, então, é a contrapartida estatal pela admissão do acusado de fato contrário e prejudicial a si próprio, qual seja, a acusação apresentada pelo órgão acusatório.

Na maioria dos casos, basta analisar a prova oral e exercitar um mínimo de raciocínio lógico para repudiar a incidência da atenuante da confissão, pois o agente, apesar de admitir a autoria delitiva, afirma ter agido em estado de legítima defesa ou em violenta emoção logo em seguida à injusta provocação da vítima, o que, em regra, é desbragadamente falso, frente às provas do processo. Ou seja, ele busca a absolvição ou a redução da pena, calcado em versão antagônica ao conjunto probatório. Arrisca com a apresentação de versão distorcida dos fatos na esperança de ser por ela beneficiado. Não há colaboração na busca da verdade nem lealdade processual. Por isso, não pode ser beneficiado com a redução do quantum de pena pois alterou a verdade dos fatos visando proveito próprio.

Na verdade, o assassino, comme d’habitude, distorce os fatos mediante falsa narrativa, com olhos voltados exclusivamente à impunidade. Ele quer matar, decide matar, age para matar atacando a vida alheia, mas não quer pagar pelo malfeito e, por isso, mente para criar obstáculos à punição estatal. Apresenta, na realidade, uma pseudoconfissão, oriunda da ausência de animus confitendi – na confissão genuína, se pressupõe a vontade de dizer a verdade quanto aos fatos.

Como é sabido, a existência da atenuante em questão não depende de simples conduta objetiva, mas reclama um motivo moral e relevante, em que haja, especialmente, demonstração de arrependimento do agente e espírito de lealdade com a verdade processual, e sem buscar valer-se de circunstância que apenas o beneficie.

Assim, como a confissão se mostra divorciada da verdade com o único escopo de subtrair-se à responsabilidade penal justa, não se está diante de confissão plena, capaz de cooperar para a solução do processo e, por consequência, de reduzir a pena. Ora, ninguém - muito menos o assassino - pode ser beneficiado por lançar mão de artifício ou expediente astucioso, utilizado para induzir alguém a erro de entendimento (julgamento da causa).

Não bastasse isso, deve-se dar um zoom na Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante no art. 65, III, “d”, do CP”. Disso decorre que, ao repudiarem as teses da defesa (absolvição por legítima defesa e/ou homicídio privilegiado), quando da votação dos quesitos, os jurados, no exercício da soberania popular (art. 1º, da CF), não levaram em consideração a versão do acusado na construção dos veredictos e consequente julgamento da causa.

Logo, por outras palavras, o Conselho de Sentença não admitiu a tal confissão qualificada (2), que, por óbvio, não ostenta poder para atenuar a pena, conforme bem delineado na citada súmula. Entendimento contrário fere de morte o princípio da soberania dos veredictos, pois, ao analisarem e repudiarem as teses defensivas decorrentes de confissão qualificada, a lógica indica que os julgadores populares não a utilizaram para a solução da causa.

Por consequência, ao reconhecer referida circunstância atenuante na sentença condenatória, a presidência do Tribunal do Júri incorre em claro equívoco por desconsiderar a lógica por de trás dessa benesse legal e por violar a soberania dos veredictos, já que a maioria dos jurados rejeitou a tese defensiva, expressada pela confissão qualificada.

Em conclusão, quem escolheu atacar a vida alheia não pode, escorado em versão rejeitada pelos jurados, ser beneficiado pela atenuação da pena em razão do indevido reconhecimento de confissão espontânea. A impostura não deve ser tolerada – muito menos premiada - no ambiente forense, sobretudo quando se está diante de conduta que ataca o mais importante dos direitos humanos, qual seja, o direito de existir. Conclusão diferente importará em concordância com erro judiciário e impunidade, mediante cortesia com sangue alheio.

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1 - São de Moacyr Amaral Santos as considerações sobre este móvel da parte para a confissão: “Se o confitente reconhece verdadeiros fatos contrários ao seu interesse, é porque sobre este prevalece o seu respeito pela verdade, seja impulsionado pelo amor ou consideração à própria verdade, seja por motivos outros que o impelem a ser verdadeiro e não passar por mentiroso. O principal fundamento da confissão é de ordem psicológica, consistente na regra moral que obriga a dizer a verdade” (SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v.4, p. 99)

2 - No mesmo sentido, decidiu o STJ, no AgRG no Agravo em recurso especial 840.995/PR, julgado no dia 05/09/2019. Essa também é a posição da Corte Suprema: “A confissão qualificada não é suficiente para justificar a atenuante prevista no artigo 65, III, “d”, do CP” (STF - HC 119671, j. 05/11/2013).

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