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Você é a favor da ampliação da competência do Tribunal do Júri para outros crimes seguidos de morte?
 
Sim, para qualquer crime doloso seguido de morte.
Sim, com exceção do estupro seguido de morte.
Não. A competência do Tribunal do Júri deve permanecer a mesma.
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05/10/2020  - STF, Salve Vidas!
 
César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Mato Grosso e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”. Ex-presidente da Confraria do Júri.

O escritor norte-americano Thomas Harris, autor de “Silêncio dos Inocentes”, fez esta advertência: “Quando a raposa ouve o grito do coelho ela vem correndo, mas não para ajudar”. No Brasil, os coelhos são massacrados e devorados pelas raposas insaciáveis.

Observe estes três casos:

1º - Maria, casada há alguns anos, começou a se relacionar amorosa e clandestinamente com outro homem. João, seu marido, obteve ciência da traição e contratou um pistoleiro para matá-la, o que foi feito quando ela regressava do trabalho para casa. No julgamento pelo Tribunal do Júri, João alegou ter assim agido porque foi desonrado pelo ato da vítima. Os jurados absolveram João pela alegada “legítima defesa da honra”. A defesa, em sua sustentação oral, por algumas vezes, afirmou que lugar de mulher infiel é no cemitério;

2º - Silvio, policial militar, depois de efetuar a prisão em flagrante de Marcos pela prática de furto, o levou a local ermo da cidade em que o executou sumariamente. Foi levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, ocasião em que alegou que já havia prendido Marcos por várias vezes pelo mesmo crime, mas, uma vez solto, ele continuava na senda criminosa. Os jurados absolveram Silvio pela alegada “limpeza social”. A defesa, em sua sustentação oral, por algumas vezes, afirmou que bandido bom é bandido morto; e

3º - Pedro e Paulo, membros de facção criminosa, deram um “salve” em Francisco, pela via de julgamento de tribunal do crime, ocasião em que este foi torturado e depois executado com tiro na cabeça. Francisco, que também era integrante da facção, havia violado regras de conduta do coletivo criminoso. Pedro e Paulo foram levados a julgamento pelo Tribunal do Júri. Contra todas as provas do processo, negaram a autoria do crime. Os jurados absolveram-nos ante o temor de sofrerem retaliações por parte da facção criminosa. A defesa, em sua sustentação oral, por algumas vezes, afirmou que Pedro e Paulo, embora tivessem matado muitas pessoas, não haviam cometido aquele crime em julgamento.

O que os casos têm em comum?

É claro que você respondeu injustiça, pois é o sentimento óbvio e evidente que emana de pessoa normal.

Para os três casos, há uma forma de se buscar a reparação da injustiça, qual seja, a interposição de recurso de apelação em busca de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, pois absolvição pautada em veredicto injusto (contrário à prova e/ou à lei) é passível de anulação.

Essa é a sistemática em vigência no país. Ocorre que, nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal decidirá pelo impedimento ou não de recurso de apelação ao Ministério Público nos casos de veredicto absolutório pelo Tribunal do Júri (Tema Repercussão Geral 1087 – ARE 1225185).

A tese levantada pela advocacia criminal e Defensoria Pública é pela irrecorribilidade de veredicto absolutório, pouco importando o motivo da absolvição (preconceito, discriminação, temor etc.).

Fala-se bastante em direitos humanos, porém, muitos emissores, por conveniência e desonestidade intelectual, omitem que, até hoje, todas as condenações do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos foram por violação ao dever de proteção de direitos fundamentais da vítima, família vitimada e sociedade, e não por infração à proibição de excesso aos direitos de investigados, acusados ou processados.

Em um país que assassina cerca de 60 mil pessoas/ano, solapar o direito recursal do Ministério Público contra veredicto injusto (sem amparo na prova/lei), além de violar o senso mais básico de justiça e lógica humana, causará novas condenações ao Estado brasileiro pelo agravamento da desproteção da vida.

No Direito, por ser uma ciência eminentemente dialética, há um cardápio de argumentos para todos os gostos, inclusive a favor da tese propalada pelos advogados e defensores públicos.

Todavia, há outros tantos argumentos contrários a tal aspiração, que não precisam ser discriminados, basta ver o quanto a tese é injusta e desastrosa ao país que já ocupa o pódio infame de ostentar um dos maiores índices de assassinatos do globo terrestre.

É preciso, então, um fiapo de razão, um mínimo de bom senso ou um naco de respeito ao direito à vida para se notar o quanto essa tese dos defensores de assassinos é um acinte contra a sociedade brasileira e ao principal direito humano, que é a fonte de todos os interesses, direitos e deveres humanos: a vida. Nada mais que isso!

Nesse trágico cenário, não há espaço para necro-hermenêutica. Se o Judiciário desprezar a realidade, a realidade certamente desprezará o Judiciário. A contagem voraz de cadáveres só aumentará e tudo leva a crer que a vingança privada se fará onipresente em uma sociedade hobbesiana. Quem viver, se viver, verá.

Portanto, resta torcer com todas as células do corpo e toda a energia da alma para que os ministros do Supremo Tribunal Federal, tomados de lucidez, prudência e responsabilidade, decidam a favor da vida, da sociedade, da razão e da justiça, em homenagem aos "coelhos" passados, presentes e futuros.

Não existe poder incontrolável em um Estado Democrático de Direito. Veredictos injustos devem ser controlados também pela via recursal, ainda que seja por apenas uma vez, como dita o artigo 593, III, "d", do Código de Processo Penal.

Um voto, em conclusão: que cada um dos juízes da Suprema Corte brasileira, firmado no princípio da inviolabilidade da pessoa humana, lance mão da bio-hermenêutica e decida por salvar vidas e não contemplar assassinos com a impunidade, no contexto de uma sociedade que já flerta com um estado selvagem de guerra de todos contra todos.

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