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08/03/2019  - Pacote anticrime de Moro poderá aumentar feminicídio no país, alertam pesquisadoras
 
Lilian Milena - CGN

“O que avançamos na discussão jurídica ao incluirmos o feminicídio na legislação penal hoje se encontra em risco com armas nas mãos daqueles que são agressores e armas jurídicas nas mãos daqueles e daquelas que farão a sua defesa”

O governo Jair Bolsonaro não deixou de lado o Dia Internacional da Mulher e, na voz da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que seu papel é ensinar meninos a levar flores e abrir a porta para as mulheres.

A declaração não foi apenas mal colocada, afasta também uma discussão mais ampla sobre a responsabilidade do Estado ao propor políticas que podem ajudar a combater ou aumentar índices de criminalidade. E, no caso do feminicídio no Brasil, pesquisadoras alertam que propostas mais recentes da gestão Bolsonaro podem acarretar no aumento de mulheres vítimas de homicídio doloso.

O GGN conversou com duas que têm se destacado nos últimos anos no Brasil como referências no estudo da criminologia feminista, violência e segurança pública: Soraia da Rosa Mendes, Coordenadora Nacional do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil) e Jacqueline Sinhoretto, líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar. Ambas ligadas ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

No dia 15 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou um decreto facilitando o acesso à posse de armas para toda a população. O argumento para a mudança na legislação, e que vinha sendo defendido desde antes das eleições, é permitir às pessoas o direito de autodefesa, de quebra aumentando a sensação de segurança.

No dia 4 de fevereiro foi a vez do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentar um pacote de leis “anticrime”. A medida, que será submetida à aprovação do Congresso, contém uma proposta que chamou bastante atenção dos especialistas em segurança pública: a redução pela metade ou até mesmo a não aplicação de condenação a alguém que matar em legítima defesa se o “excesso doloso” for causado por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

O feminicídio no Brasil

O termo feminicídio, usado para denominar o assassinato de mulheres cometido por razão de gênero deriva da palavra femicídio, cunhada pela socióloga sul-africana Diana Russell, em 1976, durante um encontro do Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica. O termo remete também ao conceito de genocídio porque aponta para o massacre de um eixo da raça humana, neste caso do gênero feminino.

A data em comemoração ao dia Internacional da Mulher aumentou a divulgação de dados recentes sobre esse tipo de crime no Brasil pelos meios de comunicação. Com base no em um levantamento feito pelo pesquisador da USP e advogado Jefferson Nascimento, de matérias que saíram na imprensa, a Folha de S.Paulo mostrou que em janeiro deste ano foram noticiados 119 casos de mulheres vítima de feminicídios e 60 sobreviventes a uma tentativa de feminicídio.

Um dado interessante tabulado na matéria é que, 47% dos crimes ocorreram na casa da vítima e a arma mais usada foi a faca (41%), seguida por armas de fogo (23%). Dos crimes cometidos com arma de fogo, 74% resultaram em morte, contra 59% no caso das agressões por facada – uma diferença de 15%.

Outro levantamento, em âmbito nacional, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o G1, mostrou que, em 2018, 4.254 mulheres foram vítimas de homicídio doloso (quando uma pessoa mata outra intencionalmente). Desse total de crimes, 1.135 são considerados pelas Secretarias de Segurança dos estados como feminicídio.

Em 2018, o Ministério Público do Estado de São Paulo divulgou o resultados do “Raio X do Feminicídio”, mostrando que, entre março de 2016 e março de 2017, as armas brancas foram usadas em 58% dos assassinatos de mulheres, contra 17% de mortes provocadas por armas de fogo.

O governo e a vulnerabilização das mulheres

“Ter mais armas em casa é fator que pode efetivamente aumentar a letalidade das agressões domésticas. Ter arma em casa também aumenta a sensação de medo dos membros da família que possuem conflitos violentos; a cada briga há o medo de que o homem violento pegue a arma e provoque uma tragédia”, avalia Jacqueline Sinhoretto destacando que armas de fogo nas residências implicam em risco concreto de aumento de feminicídios.

“O argumento de que as mulheres podem também passar a ter armas para se defender é falacioso, pois hoje as mulheres não tem restrições maiores que as dos homens para solicitar posse de armas, mesmo assim a grande maioria das pessoas que compram e licenciam armas é composta por homens e não por mulheres”, completa a pesquisadora.

Soraia da Rosa Mendes concorda, afirmando que a liberação de armas no Brasil será o fator de maior vulnerabilização as mulheres nos próximos anos.

“Se nós já tínhamos mulheres morrendo dentro dos lares, e o lar é o lugar mais seguro para mulheres, a autorização para o porte de armas é uma licença para matar, muito mais se aliado com o projeto de legítima defesa que se encontra apresentado na Câmara dos Deputados”, avalia se referindo tanto ao decreto do presidente Bolsonaro quanto ao projeto do ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro.

“Tivemos no Brasil, durante muito tempo, uma figura jurídica que depois deixou de ser uma figura jurídica, mas permaneceu na cultura jurídica, chamada legítima defesa da honra. Em função da legítima defesa da honra, um homem poderia matar a sua companheira, esposa, por suposta traição”, lembra Soraia.

“A proposta de Sérgio Moro, se passar nas duas casas do Congresso, trará muitas mortes e, de novo, a cultura jurídica da legítima defesa da honra dentro de casa, a violenta emoção, a discussão acalorada. Enfim, todos esses elementos serão trazidos para dentro dos processos criminosos”, pondera a pesquisadora.

Jacqueline Sinhoretto ressalta ainda que o número de agressões sofridas por mulheres é incomparavelmente superior ao número de agressões de mulheres em legítima defesa.

“É lamentável que nos dias de hoje ainda se tenha coragem de propor que a emoção seja uma autorização para a violência. A legítima defesa é legítima quando se trata de evitar o perigo concreto contra a sua vida. Mata-se para não morrer. Matar movido por raiva, ciúme, humilhação, sentimento de posse são comportamentos a serem desestimulados – e jamais encorajados – pelo Estado”, pontua.

“O projeto do Ministro Moro infelizmente ressoa à doutrina da legítima defesa da honra que absolveu assassinos de mulheres ao longo dos anos e ainda hoje é aceito por tribunais no país. Mas é uma concepção inaceitável por legitimar a ideia de que a vida das mulheres só é digna se servir à honra de um homem”, completa.

As duas pesquisadoras destacam que a medida do ministro da Justiça tende a impactar negativamente nas conquistas legais para coibir o feminicídio.

“O que nós avançamos na discussão jurídica ao incluirmos o feminicídio na nossa legislação penal hoje se encontra em risco com armas nas mãos daqueles que são agressores e armas jurídicas nas mãos daqueles e daquelas que farão a sua defesa”, conclui Soraia.

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