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21/07/2017  - Nos EUA, advogados procuram gente desinformada na hora de formar júri
 
Sthephanie Clifford - The New York Times - Reproduzido por Folha de SP

Durante a segunda manhã da seleção para o júri do julgamento de Martin Shkreli, mais de 130 potenciais jurados foram dispensados: pessoas com férias marcadas ou compromissos profissionais, todas aquelas que ouviram falar do caso e até mesmo quem trabalhou nos setores farmacêutico ou financeiro, nos quais Shkreli atuava como executivo.

O juiz Kiyo Matsumoto se dirigiu a uma jovem que trabalhava na área de contabilidade e perguntou se ela já havia lido ou ouvido alguma coisa a respeito do caso. No começo daquela manhã, um funcionário do tribunal havia confiscado uma edição do "The New York Post" de um candidato ao júri –a capa era o caso que iria a julgamento.

"Ah, não. Nunca", disse ela.

"Muito bem", respondeu o juiz Matsumoto.

No dia seguinte, depois de os advogados e o juiz dispensarem mais de 300 jurados ao todo, a mulher foi convocada para o júri como suplente.

O fato mostra uma radicalização nos critérios para a formação de júri nos EUA: mais que pessoas imparciais, o alvo preferencial tem sido os desinformados.

Dispensar candidatos que possam favorecer a acusação ou a defesa é um dos pilares do sistema jurídico americano –o direito a um júri imparcial é garantido pela Constituição.

Hoje, no entanto –talvez um sinal da polarização ideológica de nossos tempos–, advogados de ambos os lados parecem cada vez mais evitar pessoas com opiniões, temendo que elas sejam inflexíveis. Eles também procuram por jurados que não apenas não tenham nenhum juízo sobre o caso, mas que também tenham sido pouco expostos ao assunto: que não acompanhem as notícias, que não tenham viajado para lugares discutidos no processo e cujos hobbies sejam os mais inofensivos possíveis.

Neste ano, em um processo movido na Corte Federal de Manhattan, um jurado foi dispensado pelos promotores porque eles se preocuparam com o fato de ele passar seu tempo livre atuando como um "defensor da Primeira Emenda da Constituição Americana."

"Todos neste tribunal são defensores da Primeira Emenda, inclusive os Estados Unidos, eu espero" retrucou o advogado de defesa.

Uma consequência possível dessa nova tendência: em processos que versem sobre matérias especializadas, jurados sem conhecimento técnico podem se basear só nas histórias contadas pelos advogados ou apenas em sentimentos pessoais para condenar ou absolver um réu.

"O problema é: qualquer um que saiba o mínimo suficiente sobre um caso corre o risco de ser perigoso para uma ou ambas as partes" diz Leslie Ellis, diretor da Decision Quest, uma consultoria de formação de júri. "Alguma das partes vai reprová-lo porque não querem ninguém que possa anular suas testemunhas, nem que exerça uma influência sobre os outros jurados que seja maior que à das testemunhas."

CASOS COMPLEXOS

Shkreli, 34, é um ex-executivo da indústria farmacêutica e foi gestor de um fundo de hedge (que envolve operações financeiras complexas). O caso está sendo conduzido por uma corte federal no Brooklyn, bairro localizado numa cidade que possui um dos maiores centros financeiros do mundo.

Durante dias, jurados presenciariam relatos sobre precificação, spread, títulos públicos e fundos de investimento.

Quando o juiz Matsumoto perguntou aos 45 candidatos ao júri (que já haviam sido filtrados de um grupo muito maior) quantos deles tinham ações, cerca de cinco levantaram as mãos –mais de metade dos americanos é proprietária de ações. Poucos disseram conhecer entidades notórias do mercado financeiro, como o banco de investimentos UBS ou a SEC (o equivalente à Comissão de Valores Mobiliários nos EUA).

Um padrão parecido foi repetido em diversos casos.

Donald Blakenship, ex-presidente da Massey Energy Company, uma empresa de energia, foi acusado de encobrir violações de normas segurança que resultaram em um explosão que matou 29 trabalhadores de uma mina de carvão em 2010. Tanto as mortes quanto as acusações foram amplamente divulgadas, principalmente na Virgínia Ocidental, Estado onde ocorreu o julgamento.

Mesmo assim, um dos jurados escolhidos disse, durante a seleção, que o caso "era um tipo de fraude" que "talvez tivesse algo a ver com segurança". Uma mulher disse que a única coisa que sabia sobre o caso é que se tratava de "uma explosão ou algo do tipo" e explicou que "não estava afim de ouvir as notícias". Ela também foi escolhida.

MUÇULMANOS

A seleção do júri em um caso de terrorismo recentemente julgado pela Corte Federal de Manhattan sugeriu que os promotores dispensaram todos aqueles que tivessem uma opinião minimamente favorável a respeito dos muçulmanos ou do Oriente Médio.

Na seleção do júri, um juiz pode dispensar um jurado por causa de um conflito de interesses com uma das partes ou por conta de uma preferência manifesta que possa influenciar o julgamento. Depois que os jurados são excluídos pelo magistrado, as partes têm direito a um número de dispensas que prescindem de justificativas. O número de dispensas permitidas varia de acordo com o tipo de caso ou tribunal.

O julgamento em Manhattan tratou do caso de um homem do Arizona que, segundo a promotoria, teria ajudado um adolescente nova-iorquino a se alistar no Estado Islâmico, planejando sua viagem entre a Turquia e a Síria.

Um potencial jurado que fez intercâmbio na Turquia? Cortado pela promotoria.

Um jornalista que já visitou o Egito, que tem uma irmã que trabalhou na Síria e que tem vários amigos que já foram à Turquia? Cortado pela promotoria.

Um músico de Manhattan cuja mulher trabalhou na ONU (Organização das Nações Unidas) e que disse ao juiz que os colegas da parceira haviam aberto sua cabeça sobre o mundo islâmico? Cortado pela promotoria.

Quando Daniel Habib, advogado de defesa, pediu aos procuradores federais que explicassem suas dispensas, disseram que a "experiência prévia" do intercambista poderia "influenciar suas escolhas"; que o jornalista era "muito entusiasmado"; e que o marido da funcionária da ONU teria falado de "forma espalhafatosa".

Acabaram sendo escolhidas para o júri as pessoas que, em sua maioria, expressaram poucas opiniões sobre o Oriente Médio ou os muçulmanos.

HISTÓRIA

Num processo recente, que tratou de um caso de informação privilegiada em San Francisco, advogados dispensaram diversos jurados com experiência financeira. Um dos excluídos, que trabalhou num fundo de venture capital, ouviu que ele sabia "como as salsichas eram feitas."

Contudo, saber pouco nem sempre foi uma vantagem.

Nos primórdios do tribunal do júri, na Inglaterra, a lei determinava que os jurados deviam ser gente que soubesse alguma coisa a respeito do caso, de forma que pudesse avaliá-lo. O ato que inaugurou esse tipo de julgamento, em 1166, dizia que deviam ser escolhidos 12 homens da comunidade local para "dizer a verdade" a respeito de "qualquer homem acusado ou notoriamente suspeito."

John Langbein, professor emérito de história do direito em Yale, disse num discurso em 2015 que essa determinação era uma premissa do arranjo social da época, quando aldeões decidiam os rumos de suas comunidades de forma coletiva. À medida em que o tempo passou, "os jurados pararam de ter conhecimento a respeito dos eventos sob julgamento, e o tribunal do júri mudou de função: virou uma ocasião para ensinar os jurados a respeito dos fatos."

Geralmente, os promotores buscam "pessoas com espírito comunitário", como gente casada, que trabalhe com algo envolva contato com outras pessoas ou que participe de grupos comunitários –isto é, pessoas que podem chegar num consenso, segundo o advogado Arlo Devlin-Brown, que até ano passado era um promotor federal em Manhattan. "Tentam evitar pessoas solitárias", afirma.

O CASO SHKRELI

Nem todos os advogados procuram jurados com pouco conhecimento sobre o assunto tratado no tribunal. Perguntado sobre como escolheria jurados para o julgamento de Shkreli, Robert Zito, um veterano advogado especializado em crimes do colarinho branco, disse que escolheria pessoas envolvidas com o mercado financeiro, "porque as transações feitas pelo réu são muito complicadas."

Segundo ele, um dos problemas de Shkreli é que muita gente parece não gostar dele –o que pode balançar os jurados que saibam pouco de finanças. "O juiz vai passar horas fazendo uma série de considerações sobre os princípios do tribunal do júri e as pessoas quase dormirão", disse. Para ele, pessoas "mais sofisticadas" teriam uma predisposição maior a se ater às provas e deixariam de lado suas convicções pessoais a respeito do réu.

Na formação do júri de Shkreli, os advogados aparentemente escolheram o caminho oposto. Um corretor financeiro foi dispensado porque seria um "especialista na sala dos jurados", segundo Benjamin Brafman, advogado de defesa.

Um farmacêutico disse ao juiz Matsumoto que, se o aumento do preço de remédios viesse à tona durante o julgamento –Shkreli aumentou o preço de um remédio usado por pacientes com Aids, de US$ 13,50 para US$750, mas essa não era uma das condenações–, ele diria aos outros jurados que sabia do assunto. Brafman também pediu sua dispensa do processo.

Finalmente, depois de dois dias e meio de entrevistas com os candidatos ao júri, as partes levaram apenas 15 minutos para fazer suas escolhas.

Grupos de advogados se reuniram em torno de Matsumoto e, em voz baixa, informaram suas exclusões. Ao final, restaram doze jurados e seis suplentes. Dentre eles: dois motoristas de uma empresa de logística (um aposentado e outro na ativa), dois analistas de direitos humanos de uma faculdade comunitária, um funcionário de uma empresa de serviços públicos, um técnico de parquímetros, uma veterinária aposentada, um técnico de TI e dois fonoaudiólogos.

Logo depois de os jurados se acomodarem nos bancos em que ficariam sentados durante as seis semanas seguintes, Brafman fez seu discurso inicial.

"Vocês são nova-iorquinos inteligentes. Não precisam de nenhuma expertise para analisar o caso. Não tem nenhuma matemática avançada", disse. "Vocês só precisam da esperteza das ruas".

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