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13/08/2019  - Maria da Penha fecha Colóquio em Cuiabá e empresta a voz em defesa das mulheres
 
Alcione dos Anjos - TJ-MT

O tom de voz baixo, mas cheio de sinceridade, fez com que o Teatro Zulmira Canavarros, em Cuiabá, lotado, ficasse em silêncio para ouvir o relato da autora do livro “Sobrevivi... posso contar”, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que empresta o nome a Lei 11.340/06.

A cearense esteve em Cuiabá, na sexta-feira (9), para participar do “Colóquio 13 anos Maria da Penha”, que reuniu cerca de 800 pessoas para celebrar os 13 anos de vigência da lei que é considerada a terceira melhor legislação de combate à violência doméstica do mundo. A organização do evento ficou por conta da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (Cemulher/TJMT).

“Meu agressor foi condenado a oito anos de prisão, só 19 anos depois do crime. Ficou preso por dois. Não acho que a justiça foi feita no meu caso. O homem que tentou tirar a minha vida duas vezes está solto”, desabafa. “Sempre que recordo as agressões que sofri a dor se repete. Mas, sei que minha voz é importante para a luta contra a violência às mulheres. Isso me conforta”.

Feminicídio

Embora os números exatos de feminicídio não sejam possíveis de se encontrar, estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), aponta que a cada 10 feminicídios registrados em 23 países da região (em 2017) quatro ocorreram no Brasil. Naquele ano, pelo menos 2.795 mulheres foram assassinadas, das quais 1.133 no Brasil.

Lei Maria da Penha

A Lei 11.340, batizada com o nome da biofarmacêutica, pune há 13 anos, aqueles que cometem violência doméstica. “Foi uma surpresa grande ver a minha luta pessoal beneficiar tantas mulheres que, assim como eu, foram agredidas. Se na minha época já existisse a lei, meu agressor teria tido uma pena mais severa”, acredita. “Fico pensando, se minha luta não tivesse tomado o rumo que tomou será que eu seria feliz?”.

Em 2009, para fortalecer a causa, criou ainda o Instituto Maria da Penha. No Brasil, há 13 casos de feminicídio por dia, segundo dados do Mapa da Violência (2015). “O número nos coloca na quinta posição do ranking de países que mais matam mulheres no mundo. Por meio de ações educativas, que se dão principalmente em Fortaleza e no Recife, a organização tem como objetivo mudar essa realidade”, acredita.

“Nossa cultura machista só será desconstruída por meio da conscientização de crianças e adultos. O Instituto Maria da Penha não realiza ações diretamente com as vítimas de violência, mas tem, por exemplo, parceria com universidades de Fortaleza e do Recife. Oferecemos o curso ‘Defensores e defensoras do direito à cidadania’, desde 2011”, conta.

Papel do Poder Público

Para a biofarmacêutica, é importante que o poder público garanta a segurança da vítima que não tem condições de voltar para casa após a denúncia. “Devem ser blindadas de qualquer contato com o agressor. Só assim conseguem reformular as vidas”. Isso só é possível por meio de medida restritiva, a maior conquista da lei Maria da Penha.

“Se isso existisse na minha época, minha história teria sido completamente diferente. Por exemplo, só consegui sair de casa graças a um documento de separação de corpos, que permitiu que eu não perdesse a guarda das minhas filhas. Ainda corri esse risco, de deixá-las com o pai violento”, refletiu.

Sobrevivi... posso contar

A participação de Maria da Penha no Colóquio fechou a programação. Ela revelou que, enquanto aguardava a tramitação do processo contra o agressor, relatar o fato foi terapêutico. Surgiu assim o livro.

“Conheci aquele que seria meu agressor em 1974, em São Paulo, durante o meu mestrado. Ele, colombiano, frequentava um grupo de estudantes estrangeiros. Casamos e tivemos nossa primeira filha. Ele deu entrada ao processo de naturalização brasileira. Voltei para Fortaleza, e depois dos nascimentos das outras duas filhas, conseguiu se naturalizar. Foi aí que tudo mudou”, relatou Maria da Penha para a plateia.

De acordo com Maria da Penha, o marido passou a ser ausente e quando estava em casa só reclamava. “Sofri violência psicológica e as minhas filhas violência física”, revela. Apesar das diversas tentativas de se separar, nunca aceitou. “Até que em uma determinada manhã de 1983 acordei com um barulho de tiro, quis me mexer e não consegui. O primeiro pensamento foi: Puxa, ele me matou”, se recorda.

Maria da Penha diz que orava para que Deus não deixasse as filhas órfãs de mãe. Na época, tinham sete, cinco e dois anos. “As crianças que perdem as mães são as maiores vítimas invisíveis da violência doméstica e, muitas vezes, têm que continuar morando com aquele que matou a mãe”, reflete.

O agressor ainda criou uma história de que quatro assaltantes invadiram a casa e, após lutar com os bandidos, um deles teria atirado nas costas de Maria da Penha. Os vizinhos desconfiaram dessa versão registrada em Boletim de Ocorrência (BO). Ela ficou quatro meses internada em um hospital, lutando pela vida. Ao retornar para casa, paraplégica, foi impedida do convívio com as filhas. “Fiquei em cárcere privado. Sem poder receber visitas e sem falar com as empregadas”, destacou. “Uma das mulheres que trabalhava comigo perguntou se sabia que ele tinha uma arma no escritório. Disse que não. Minha desconfiança só aumentava”.

Ela revela que um dia o então marido preparou o banho dela, mas quando colocou a mão para checar a temperatura percebeu que passava uma corrente elétrica. “Disse que ali não entrava. Depois se descobriu que ele danificou o chuveiro premeditadamente para que fosse eletrocutada”.

O delegado que atendeu o caso também desconfiou do BO do ex-marido de Maria da Penha. Passados seis meses do fato, ele foi chamado a depor novamente, mas já não se lembrava da versão que tinha criado. Entrou em contradição várias vezes. O agressor foi julgado e condenado por duas vezes pelo Tribunal do Júri do Ceará (1991 e 1996), mas devido a recursos dos advogados de defesa ainda não havia uma decisão definitiva no processo e o agressor permanecia em liberdade. “O livro é baseado nas contradições da defesa. Foi pensado como desabafo, mas foi por meio dele que a Organização dos Estados Americanos, a OEA, soube do meu caso e denunciou o Brasil por impunidade em desrespeito a acordos assinados”.

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