Quando soube que a sua filha Giovanna tinha sido assassinada com 96 facadas, Maurício Silvino da Silva entrou em choque. Enquanto ele corria pra casa, a polícia apareceu pra conferir o caso macabro. O delegado João Carlos Penteado chegou ao local do crime e fez perguntas. A primeira coisa que chamou atenção foi a reação de Isabel, que encontrou o corpo da enteada, depois de voltar do trabalho.
O delegado comentou:
“Estranho, ela não agiu como uma pessoa que encontra um corpo naquela situação. Normalmente a pessoa entra em choque, sai correndo e grita por socorro. Nada disso aconteceu”.
Maurício também estranhou o comportamento da companheira. Ela não chorava uma lágrima, enquanto ele se descabelava. Até policiais que não conheciam Giovanna e estavam acostumados a todos os tipos de defuntos, se comoviam com a cena da menina com dezenas de buracos no corpo – e a faca encravada no peito até o cabo. Tinha policial com os olhos cheios de lágrimas. E a madrasta impassível, numa cadeira, observava o agito na casa.
Maurício choramingou pro delegado:
“Difícil acreditar. Jamais imaginei ver minha filha esfaqueada”.
Ele não entendia o que aconteceu:
“Ela sempre morou com a gente”.
E até aquele dia, até onde soube, não foi vítima de violência. Pro delegado Penteado, o comportamento de Isabel deixava de ser estranho pra ficar suspeito. Ele concluiu que precisava de uma longa conversa com aquela dona num lugar adequado: a delegacia. Ela foi e Penteado começou a fazer perguntas e percebeu que a dona era a criminosa. Mas tinha de ter paciência, encurralar a dona com cuidado. Ele fez perguntas e mais perguntas e a frieza de Isabel foi pro ralo e ela entrou em contradições. Eram 3 horas da madrugada do dia 23 de agosto de 2005, quando, exausta e encurralada, ela abriu o bico e confessou o crime. E, percebendo que estava ferrada, chorou compulsivamente. Na manhã seguinte, sentada sobre um colchão na cela escura e individual da Delegacia de Homicídios, Isabel ainda tentou se defender:
“A menina falava demais e aquilo me irritava. Fiquei nervosa e perdi a paciência. Peguei a faca e comecei a furar.
Nem sei quantas facadas”.
O crime estava resolvido. O casamento desfeito.
“Sei que foi chocante. Sei que vou pagar e tenho certeza que meu marido não me perdoa”.
Aquilo era de menos: Maurício não demorou a esquecer Isabel e arrumar outra dona. Enquanto isso, a madrasta trazia no ventre mais uma criança dele, que ia nascer em condições precárias, pra ser jogada num mundo inseguro e hostil, como aconteceu a Giovanna.
“É horrível ir naquele lugar”
Por volta do meio-dia de terça-feira, o corpo de Giovanna deixou Curitiba num carro funerário em direção a Arapoti, onde foi enterrado. O crime suscitou um rápido debate sobre a sanidade mental de Isabel Xavier de Souza: exame do Instituto Médico Legal constatou que a madrasta não era maluca, apenas má. Com base no laudo, o juiz contestou outro do psiquiatra, Roberto Dino, da Penitenciária Feminina do Paraná, que apontava retardamento mental em Isabel. Outro psiquiatra, Luís Gabriel de Carvalho, disse na época que a madrasta trazia dentro dela a predisposição e impulso para a violência, que seria desencadeada mesmo que não estivesse grávida:
“Gravidez não desencadeia crise como essa”.
Dois anos depois, a situação estava assim: Maurício tocou a sua vida, já estava com outra mulher há um ano e passou a reduzir as visitas à Penitenciária Feminina do Paraná, pra ver a filha dele com Isabel, que nasceu no presídio no dia 1º de setembro de 2005. Ele contou em junho de 2007 que a princípio foi visitar a menina algumas vezes na prisão, mas não sabia se pretendia pedir a guarda da criança. Com o tempo, depois de arrumar nova mulher, as visitas escassearam. Na realidade, ele não tinha parado pra pensar no futuro da filha com a ex-companheira, agora na prisão. E não estava muito interessado no assunto:
“Não vou visitá-la há oito meses, porque é muita burocracia. É horrível ir naquele lugar”.
Na madrugada do dia 13 de junho de 2007, às 2h10, o juiz Ignácio de Loyola Barboza, do Tribunal do Júri, leu a sentença do julgamento da doméstica Isabel Xavier de Souza, então com 28 anos, condenada a 19 anos e seis meses de reclusão. O corpo de jurados, formado somente por homens, escolhidos por sorteio, por seis votos a um acatou tese do Ministério Público e entendeu que a doméstica praticou homicídio triplamente qualificado.
E, como nos contos infantis, a madrasta foi cruel, mas se ferrou.
......... Os nomes reais dos personagens deste caso foram mantidos em sigilo em proteção à sua integridade.