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23/01/2018  - Dolo ou culpa: cinco anos depois, a nova batalha da Kiss
 
Rodrigo Lopes - Zero Hora

Caberá ao STJ, em Brasília, decidir o futuro do processo sobre a boate de Santa Maria, que se arrasta desde 2013

Foram 242 mortos e 636 feridos. No âmbito da Justiça, 13 mil páginas de provas e testemunhos. Cinco anos depois da maior tragédia gaúcha, a batalha para julgar os acusados pelo incêndio de 27 de janeiro de 2013 na boate Kiss, em Santa Maria, resume-se a duas palavras: dolo e culpa. São elas que irão determinar se os quatro réus do processo criminal, dois músicos da banda Gurizada Fandangueira e dois ex-donos da casa noturna, serão julgados pelo Tribunal do Júri ou se a decisão de condená-los ou absolvê-los será tomada por um juiz, no foro íntimo de seu gabinete. Dolo ou culpa definirão, na prática, o tempo que os acusados, se condenados, ficarão na cadeia. A decisão caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Segundo o dicionário Houaiss, dolo vem do latim "dolus", que significa "logro", "ardil". No Direito penal, a questão é mais complexa. Se os réus forem julgados por homicídio doloso, a Justiça estará dizendo que eles tiveram consciência da ação e atuaram de forma voluntária para produzir o resultado. Se for considerado homicídio culposo, significa que não tiveram a intenção de matar, mas, ao agirem por negligência ou imperícia, acabaram provocando o desastre. Há ainda um meio termo, o dolo eventual, quando, mesmo sem intenção, assume-se o risco de matar.

O Tribunal do Júri somente é admitido em homicídios por dolo ou dolo eventual. Nesses casos, a pena varia de seis a 20 anos de prisão, podendo ficar entre 12 e 30 anos se for crime qualificado. Na hipótese de ser culposo, a punição é mais leve: detenção de um a três anos, sem qualificantes.

Em dezembro, o 1º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça (TJ-RS) acatou o recurso da defesa dos quatro acusados e rejeitou o julgamento pelo júri popular. Em dois meses, o Ministério Público estadual (MP-RS) apresentará recurso especial ao STJ. Defesa e acusação se armam para a batalha a ser realizada em Brasília. Na semana passada, o presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul (OAB-RS), Ricardo Breier, assumiu a representação dos pais das vítimas contra os réus da Kiss em reforço ao trabalho do advogado Pedro Barcellos Júnior. Já a defesa dos acusados contratou o jurista Alexandre Wunderlich, um dos advogados da Odebrecht no processo da Lava-Jato, para tentar evitar que o STJ aceite o recurso do MP.

Na visão de especialistas, é muito difícil reverter a decisão do TJ, cujo empate, em quatro votos a quatro, favoreceu os réus. Outra preocupação deve-se ao tempo. Em média, o STJ leva de dois a três anos para julgar um recurso especial. Em outras palavras, a tendência é de não haver desfecho do caso Kiss até pelo menos 2020.

— Nossa ideia é não deixar que o julgamento tenha um trâmite regular, que caia na vala comum. Queremos levar ao STJ nossa preocupação com o tempo. O Judiciário tem de ser sensível, entender que algumas causas têm complexidade e um interesse da sociedade maior do que outras — afirma o subprocurador para Assuntos Institucionais do MP-RS, Marcelo Dornelles.

Embora a sensação geral seja de lentidão, juristas avaliam que o tempo está adequado ao tamanho do processo.

— Considerando toda a complexidade, o número de vítimas e a dificuldade de coletar provas, não se pode dizer que é demorado. Tem tido uma tramitação adequada — avalia o jurista Aury Lopes Jr., doutor em Direito Processual Penal e professor da PUCRS.

Famílias das vítimas e MP-RS temem prescrição

A decisão se é culpa ou dolo é importante também porque define os prazos de prescrição, ou seja, a perda do direito de o Estado punir acusados em determinado tempo. O temor dos pais é de que a tragédia fique impune.

— Se o caso fosse a júri e fosse realizado no ano passado ou no primeiro semestre de 2018, ainda estaria dentro de uma certa razoabilidade. Mas, à medida que o STJ demore dois anos, vai se tornar uma coisa cada vez mais dramática. A partir de 2019, começa a acender a luz amarela — avalia o ex-procurador de Justiça e professor de Direito da Unisinos Lênio Streck.

Se o STJ mantiver a decisão de julgamento por homicídioculposo, a se considerar a pena máxima do crime mais grave, de três anos, a prescrição ocorreria, na avaliação de especialistas, em oito anos a partir da sentença em primeiro grau, de 27 de julho de 2016. O crime prescreveria em 27 de julho de 2024. O MP admite risco de prescrição.

— No doloso, como as penas são mais altas, trabalha-se com a ideia de até 20 anos para a prescrição. No culposo, a pena é baixa. Se demorar, corremos o risco, sim — diz Dornelles.

A tese normalmente citada para desqualificar o dolo é de que músicos e um dos donos da Kiss estavam no ambiente no momento da tragédia.

— Se fosse um dolo eventual, os réus também teriam assumido o risco de morrer. Seria um dolo suicida. Eles seriam psicopatas — argumenta o professor de Direito Aury Lopes Jr.

Ao reunir 810 depoimentos, o maior inquérito da Polícia Civil gaúcha responsabilizou 28 pessoas. Foram indiciados criminalmente 16, entre sócios da boate, bombeiros, secretários municipais e servidores da prefeitura. Apenas quatro (os sócios da Kiss Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão) foram denunciados pelo MP-RS por homicídio doloso qualificado. Para Pedro Barcellos Júnior, advogado dos familiares das vítimas e assistente de acusação, o dolo é cabível:

— Os caras colocaram fogo dentro de uma boate, sabiam que tinha espuma. Sabiam que estava lotado. Tinha corrimão que não dava para as pessoas saírem. A boate era um labirinto.

A expectativa de prazos ainda mais longos aumenta o sentimento de impunidade por parte dos pais. Passados 60 meses da tragédia, ninguém está preso. Na Justiça comum, a única pena até agora foi convertida em prestação de serviços comunitários.

— A Kiss é um reflexo do país. Não houve resposta, nem parece que tanta gente morreu — lamenta o presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio da Silva, pai de Augusto, 20 anos, morto na boate.

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