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11/03/2021  - O jurado quebrou o compromisso. E agora?
 
César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Mato Grosso, ex-presidente da Confraria do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

No Tribunal do Júri, definido o Conselho de Sentença com a seleção pelas partes do sétimo, e último, jurado segue-se o momento solene do compromisso. Objetivamente, este impõe que o cidadão examine a causa com imparcialidade e a decida com consciência e justiça.

É o que dispõe o artigo 472 do CPP: “Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo”.

A partir desse momento, o cidadão está investido nas funções de juiz de fato. Sem ter lado previamente definido, examinará a causa e os debates entre as partes e, quando da votação dos quesitos, elegerá o monossílabo sim ou não, segundo sua íntima convicção. Mas isso não é o bastante. É imprescindível que decida também conforme os ditames da justiça. Se assim não for, o compromisso estará quebrado, e, então, convertido em descompromisso.

Isso significa dizer que não há lugar para decisão desprovida de justiça. É inadmissível que haja solução injusta na causa. Ou seja, se pelas provas do processo e a ordem jurídica estiver manifesta e indubitável (1) a inocência ou (2) a culpa do acusado, respectivamente, haverá manifesta injustiça no caso de (1) condenação ou (2) absolvição.

É importante então indagar: qual o significado de ditames da justiça?

Grosso modo, é a decisão ditada, desenhada ou informada pela justiça. E o que é justiça?

Sem prejuízo de conceitos e reflexões filosóficos em torno do vocábulo em questão, é preciso ter em mente sua concepção jurídica. E, nesse sentido, justiça é o que se apresenta em consonância com o direito.

Os romanos ensinaram que justiça consiste em dar a cada um o que é seu. Em complemento, e melhor explicando, é oportuno citar o ensinamento, muito didático, de Maria Helena Diniz: “Como, em regra, o dever de dar a cada um o que é seu vem imposto por norma jurídica, pode-se afirmar que o justo é o que exige o direito. Daí ser a justiça o próprio ordenamento jurídico e o ideal a que deve tender o direito”(1).

“Governo de leis e não de homens” foi o lema da reação de colonos ingleses na América do Norte e da insurreição do terceiro estado na França, no século XVIII. Os ideais revolucionários inspiraram, e ainda inspiram, os princípios básicos do Estado Democrático de Direito contemporâneo.

Assim, a decisão de qualquer juiz, togado ou leigo, deve se pautar pela legalidade, que exprime o justo. “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”(2), disse, com genialidade e sabedoria, o polímata Ruy Barbosa.

Um dos pilares do Tribunal do Júri é a soberania dos veredictos, segundo o qual a última e definitiva palavra nos crimes dolosos contra a vida e conexos, pertence ao povo. E a sua palavra não pode ser substituída ou alterada por qualquer juiz, desembargador ou ministro. Significa também que os veredictos ostentam eficácia imediata: absolveram, liberdade; condenaram, prisão. Mas, por óbvio, o Judiciário tem o poder-dever de analisar, em grau recursal, se o julgamento popular está ou não eivado de nulidade e/ou de grosseiro error in judicando.

A propósito, há uma distinção muito clara entre afirmar que o jurado pode julgar em determinado sentido e dizer que isto é a coisa certa a ser feita, ou que ele nada faz de errado ao agir desse modo. É verdade que o Conselho de Sentença tem o direito de fazer algo que seja a coisa errada a fazer, porém, não é menos verdade que tal deliberação é sindicável pelas instâncias recursais para que a sociedade tenha a chance de receber a justa prestação jurisdicional, em novo julgamento popular.

As hipóteses legais de absolvição estão gizadas nos artigos 386 e 415 do Código de Processo Penal. Fora de tais dispositivos não há possibilidade jurídica para a absolvição.

Muitos afirmam que o jurado é soberano e, por isso, pode absolver por qualquer - até mesmo sem - motivo. Pode, então, condenar por qualquer ou sem motivo? Ou essa falácia só vale para livrar assassino da prisão?

É preciso ter coerência e seriedade no discurso, ainda que isso custe interesses corporativos. Afinal, o grau de civilização de um povo também é medido pelo grau de proteção do direito à vida, que inclui a seriedade e a gravidade da punição estatal ao assassino. O sistema jurisdicional deve olhar não apenas para os injustos, mas também (e principalmente) para os injustiçados.

Não existe poder incontrolável em um Estado Democrático de Direito. “(...) trata-se de uma experiência eterna que todo homem que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites”(3).

Em um país com cerca de 60 mil assassinatos por ano, não há espaço para criação ou admissão de doutrina, teoria, tese ou norma com o objetivo de livrar ou mitigar a responsabilidade penal de assassino. Nenhuma invencionice jurídica pode favorecer caçadores de pessoas, em um país minimamente civilizado.

A propósito, é importante não esquecer que a vida é a base estrutural de toda comunidade humana e pilar fundamental do ordenamento jurídico. Logo, o dever de defesa e proteção do direito à vida é o principal fim do Estado e razão de sua existência. Por consequência, se não se pode exigir que o jurado proteja corretamente o direito à vida, pode-se ao menos exigir que o tente. Pode-se exigir que leve o direito de existir a sério, que emita veredicto coerente com a importância desse direito.

Por tudo isso, a tese da irrecorribilidade do veredicto absolutório injusto (manifestamente contrário à prova ou à lei), pregada por defensores, públicos e privados, em que o assassino sai impune, apesar de ter atacado a fonte de todos os direitos humanos, é inconstitucional, ilegal e injusta porque desprotege e mitiga a vida humana. Na realidade, essa tese demonstra claramente ter compromisso apenas com quem atacou a existência alheia, com o erro e a injustiça. Não há nela um fiapo sequer de respeito à vida, à sociedade, à família pranteada e à vítima.

Como assinalou o ministro Edson Fachin, “júri é participação democrática, mas participação sem justiça é arbítrio”(4).

Desse modo, detectado erro grosseiro no julgamento popular pela instância recursal, é necessário que haja novo julgamento, ocasião em que a soberania dos veredictos estará preservada e os jurados poderão reafirmar ou modificar os veredictos.

É bom lembrar que, segundo os anais da assembleia nacional constituinte de 1987(5), tentaram subtrair do Ministério Público o direito de apelar contra absolvições do Tribunal do Júri. Como exemplo, foi a emenda apresentada pelo deputado federal Nyder Barbosa (PMDB/ES): “Seja mantida a instituição do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sendo irrecorríveis suas decisões absolutórias”. Tal emenda, como é óbvio, foi rejeitada.

Prevaleceu então, o duplo grau de jurisdição nos casos em que a decisão dos jurados for manifestamente contrária às provas dos autos ou se houver alguma nulidade insuperável. Isso porque a Constituição Federal remeteu ao legislador ordinário a organização do Tribunal do Júri e, na linha do inciso LV do artigo 5º, o Código de Processo Penal estabeleceu a apelação contra decisões manifestamente contrárias à prova dos autos (artigo 593, III, “d”).

Logo se vê que soberania dos veredictos não significa arbítrio ou poder ilimitado. Ainda que possa muito, o jurado não pode tudo. Não detém poder absoluto para atuar como artífice de um julgamento injusto, qual seja, contrário à lei ou à prova do processo.

Noutras palavras, não deve condenar contra as provas dos autos. Não deve condenar contra os ditames legais. Não deve fazer favor com o sangue alheio (clemência). Não deve absolver contra as provas dos autos. Não deve absolver contra os ditames legais, sob pena de julgamento injusto (contra a prova ou a lei), que é incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Daí a previsão de Recurso de Apelação contra condenação ou absolvição injusta, em busca de justiça em novo julgamento popular. Soberania e onipotência injusta e sem limites não se confundem.

O compromisso firmado pelo jurado deve ser fiscalizado pelas partes - sobretudo pelo Ministério Público diante de absolvições teratológicas(6) -, pelas instâncias recursais e pelo novo Conselho de Sentença. A quebra de tal compromisso, produtor de injustiça, também. A sociedade tem direito à justiça, como tem a família enlutada, a comunidade indignada e a pessoa vitimada.

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1 - DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 365.

2 - http://www.casaruibarbosa.gov.br. Acesso em 09/02/2021.

3 - MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 166.

4 - STF, Agravo Regimental n. 1.225.185.

5 - https://www2.camara.leg.br/. Acesso em 09/02/2021.

6 - Como já escrevemos, “a experiência demonstra que, em regra, a decisão popular manifestamente contrária à prova dos autos ocorre no caso de absolvição arbitrária, uma vez que, para fins de julgamento pelo Tribunal Júri, o mesmo foi devidamente filtrado pelo Judiciário, tanto pelo recebimento da denúncia como pela pronúncia (prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria/participação) - muitas vezes com sua confirmação pela instância recursal -, o que torna raro que um processo sem lastro probatório mínimo para a condenação seja submetido à apreciação dos jurados. Assim, no Tribunal do Júri, há maior risco de absolver o culpado do que condenar o inocente, em razão de todo o processamento dos crimes dolosos contra a vida”. (http://promotordejustica.blogspot.com/2019/10/julgamento-soberano.html)

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