A Confraria do Júri reproduz abaixo o texto integral do Projeto de Lei 6998/2006 que, entre outros objetos, inclui os crimes de latrocínio e lesão corporal seguida de morte na esfera de competência do Tribunal do Júri. Também reproduz a sua justificativa.
Após a cópia do PL, apresentamos o parecer do relator, deputado Neucimar Braga, que defende a rejeição do mérito, além de apontar falhas técnicas na formulação do PL.
Em abril de 2008, o PL foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e está pronto para entrar na pauta:
CÂMARA DOS DEPUTADOS PROJETO DE LEI Nº , DE 2006
(Da Comissão de Legislação Participativa) SUG nº 150/2005
Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal - e aumenta a competência do Tribunal do Júri.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta lei altera a redação dos arts. 121, § 2º, II, e 224 do Código Penal, e passa para a competência do Tribunal do Júri o julgamento dos crimes de lesão corporal seguida de morte e de latrocínio (arts. 129, § 3º, 157, § 3º, parte final, do Código Penal).
Art. 2º Os arts. 121 e 224 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 121. ...................
§ 2º ...........................
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II – sem motivo, ou por motivo fútil;
...................................
§ 5º ..................(NR)”;
“Art. 224. ........................
Parágrafo único. A presunção prevista no caput deste artigo é relativa (NR).”
Art. 3º Os crimes previstos nos arts. 129, § 3º, e 157, § 3º,parte final, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, são da competência do Tribunal do Júri.
Art. 4º Esta lei entrará em vigor após noventa dias de sua publicação oficial.
JUSTIFICAÇÃO
Trata-se de sugestão de projeto de lei enviada pelo Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul – CONDESESUL, com vistas a aperfeiçoar a legislação penal brasileira.
É o caso da previsão do homicídio sem motivo, que passa a ser considerado qualificado, ao lado do homicídio por motivo fútil, haja vista que, hoje, a ausência de motivo não pode equivaler à futilidade do motivo.
A par disso, merece ser discutida, por esta Casa, a questão da relatividade da presunção de violência, prevista pelo art. 224 do Código Penal.
Com efeito, presumir de maneira absoluta a existência de violência, mesmo que
de fato ela não tenha ocorrido, encontra-se em dissonância com o princípio da nulla poena sine culpa.
Finalmente, já é tempo de os crimes de lesão corporal seguida de morte e de latrocínio, dada a gravidade de que se revestem, serem da competência do Tribunal do Júri, o que não afronta a competência mínima prevista pelo art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal.
Sala das Sessões, em de de 2006.
Deputado GERALDO THADEU
Presidente
Parecer do Relator Neucimar Braga
COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA
PROJETO DE LEI No 6.998, DE 2006
Altera o Decreto-Lei nº 2848, de 7 de
dezembro de 1940, Código Penal – e aumenta a competência do Tribunal do Júri.
Autor: Comissão de Legislação Participativa
Relator: Deputado Neucimar Fraga
I - RELATÓRIO
A proposição em epígrafe da Comissão de Legislação Participativa pretende tornar qualificado o homicídio praticado sem motivo e tornar relativa a presunção de violência prevista no caput do art. 224; além de dar competência ao Tribunal do Júri para julgar os crimes de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3ºdo CP) e do latrocínio (art. 157, § 3º, parte final do CP).
Alega em defesa de sua proposta que esta vem aperfeiçoar a legislação penal brasileira, que o homicídio sem motivo, passa a ser considerado qualificado, ao lado do motivo fútil, haja vista que, hoje, a ausência de motivo não pode equivaler à futilidade do motivo. Que presumir de maneira absoluta a existência de violência, mesmo que de fato ela não tenha ocorrido, encontra-se em dissonância com o princípio da nulla poena sine culpa.
E por fim que já é tempo de os crimes de lesão corporal seguida de morte e de latrocínio, dada a gravidade de que se revestem, serem da competência do Tribunal do Júri , o que não afronta a competência mínima prevista pelo art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal.
A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar as propostas sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, sendo a apreciação final do Plenário da Casa.
É o Relatório.
II - VOTO DO RELATOR
A matéria tratada é de competência da União Federal (art. 22, I), de iniciativa desta Casa (art. 61), não atentando contra quaisquer dos incisos do § 4º do art. 60, todos da Constituição Federal, o projeto é constitucional, nestes aspectos.
Não há vícios de juridicidade.
A técnica legislativa é merecedora de reparos uma vez que o artigo 7º da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe:
“art. 7o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.”
Deste modo, o Projeto de Lei não pode tratar de vários objetos e assuntos ao mesmo tempo, uma vez que não se trata de codificação e também que, no caso do Tribunal do Júri , a sua competência encontra-se regulada no § 1º do art. 74 do Código de Processo Penal – Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941:
“Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
...............”
No mérito, temos que sopesar os diversos aspectos tratados.
Duas correntes doutrinárias vêm disputando a hegemonia da circunstância “motivo fútil”, no caso do homicídio:
Para uma, não há que se falar na qualificadora, já que ausência de motivo não é a mesma coisa que motivo fútil. Prevalece o princípio da reserva legal, devendo o agente responder apenas por homicídio simples.
Para a segunda, a ausência de motivo e motivo fútil são figuras semelhantes. Se o CP pune de forma mais grave o homicídio praticado por motivo fútil, certamente quer punir do mesmo modo quando o fato for
praticado sem motivo. É a opinião mais coerente.
Não há dúvida de que, conforme a motivação que levou o agente a delinqüir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável.
Os motivos são o combustível que fazem o ser humano ir atrás de um objetivo, é a vontade de produzir um resultado.
A vontade é, como o diz Magalhães Noronha, a mais importante de todas as circunstâncias para se quantificar a pena. Não ha conduta humana desprovida de motivos. Se fosse possível, na prática forense, encontrar um caso de crime sem motivo, dever-seia desconfiar das faculdades mentais do acusado.
Se o agente comete um homicídio sem motivação, o único lugar para ele ser colocado, sem pôr em risco a sociedade, é o manicômio judiciário, não uma penitenciária. Logo, não vemos que a qualificadora de “sem motivo” para o homicídio deva ser-lhe aplicada.
No que diz respeito ao aumento das atribuições do tribunal do júri, adotamos as mesmas razões que o Relator do Projeto de Lei nº 779, de 2007 e seus apensos (PLs nºs 1.639/2007, 1.665/2007 e 2.043/2007), Deputado Mendes Ribeiro Filho, exarou para rejeitá-los:
“No mérito, os Projetos não merecem prosperar. Embora não haja impedimento para a atribuição de novas funções ao Tribunal do Júri, na prática, essa disposição não traria benefícios à prestação jurisdicional. Lembre-se, em primeiro lugar, que o Júri é composto de juízes leigos, dos quais não se exige domínio técnico do direito. No momento em que se atribuir a esses juízes, sem formação jurídica, competência para julgar questões legais que exigem conhecimento de princípios de direito, de legislação penal e processual e de teoria geral do direito penal e processual penal, estaremos permitindo distorções inconciliáveis com o sistema judicial vigente.
O mesmo delito, dependendo de haver ou não o resultado morte, será julgado de forma diferente, com a aplicação de princípios diversos, com técnicas jurídicas divergentes e com soluções que poderão até mesmo se afastar da finalidade prevista pelo legislador. Apesar da possibilidade do evento morte, o delito em questão não é o homicídio, porém, um outro tipo penal completamente diverso. Poderia ser, por exemplo, um crime conta o patrimônio, em que houvesse o resultado morte.
Estaríamos atribuindo competência ao Júri para julgar crimes contra o patrimônio, pois o resultado morte não muda a natureza jurídica do crime. A morte, no caso, é
um resultado preterdoloso, que trará, como conseqüência, o agravamento da pena. O núcleo do tipo penal continua vinculado à esfera patrimonial.
Os jurados é que decidiriam sobre o fato principal, a ilicitude, a culpabilidade e as circunstâncias, que, no exemplo citado, envolveriam crime contra o patrimônio, e não contra a vida.
Desse modo, retirar essa competência do juiz de direito, para entregá-la a um júri leigo poderia acarretar distorções na prestação jurisdicional e na correta
aplicação da lei penal e processual.”
Deste modo, não vemos como aprovar o presente Projeto, pois não há conveniência ou oportunidade. Nosso voto é, portanto, pela constitucionalidade, injuridicidade, má técnica legislativa e no mérito pela rejeição do Projeto de Lei n.º 6.998, de 2006.
Sala da Comissão, em DE DE 2008.
DEPUTADO NEUCIMAR FRAGA
Relator
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