A Subseção da OAB-Guarulhos encaminhou ao deputado federal, Arnaldo Madeira (PSDB/SP) minuta de projeto de lei que amplia a competência do Tribunal do Júri. Veja abaixo o parecer da assessoria do parlamentar:
Ref. Ofício nº 110/08 – OAB/GRS
Assunto: Proposta de Projeto de Lei que amplia a competência do Tribunal do Júri para julgar crimes dolosos em que ocorrer o evento morte.
1. Descrição da sugestão encaminhada:
Trata-se de sugestão de projeto de lei ordinária encaminhada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da 57ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – Guarulhos, que tem por objetivo alterar a redação do § 2º do art. 74 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), renumerando os atuais §§ 2º e 3º para §§ 3º e 4º respectivamente.
A proposta visa ampliar a competência do Tribunal do Júri, que, hoje, segundo o Código de Processo Penal, deve limitar-se ao julgamento de crimes dolosos contra a vida (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”), situados no Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal:
• Homicídio simples (art. 121, §§ 1º e 2º);
• Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122, par. único);
• Infanticídio (art. 123);
• Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124);
• Aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante (art. 125); e
• Aborto provocado por terceiro sem consentimento da gestante (art. 126).
A intenção da OAB/GRS é incluir, no rol de competências do Tribunal do Júri, o julgamento de crimes que resultem, de forma dolosa, no evento morte. Há, por exemplo, crimes previstos pelo Código Penal contra os costumes ou contra o patrimônio que abrangem também a conduta que leva ao extermínio da vida humana como uma das conseqüências da prática criminosa.
São os chamados “crimes complexos”, que a doutrina entende serem aqueles que encerram dois ou mais tipos penais (descrições abstratas do crime) em uma só descrição legal (p. ex., roubo = furto + ameaça; latrocínio = roubo + homicídio; extorsão mediante seqüestro = extorsão + seqüestro) ou cuja figura típica (descrição legal do crime) abrange um tipo penal simples acrescido de circunstâncias ou fatos que não são típicos (denunciação caluniosa, p. ex.).
Esquematicamente, a proposta visa o seguinte:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. (sem alteração)
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. (sem alteração)
§ 2º Compete ainda ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos com o evento morte previstos no Código Penal e em Leis especiais. Inclusão proposta
§ 3º Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração da competência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.Antigo 2º§(renumerado)
§ 4º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença (art. 492, § 2º). Antigo 3º§(renumerado)
Segundo a justificativa que acompanha a sugestão de PL, o Supremo Tribunal Federal entende, partir da interpretação da alínea “d”, inc. XXXVIII, do art. 5º da Constituição, que a competência do Tribunal do Júri assegurada para o julgamento dos “crimes dolosos contra a vida” restringe-se àqueles descritos nos arts. 121 a 127 do Código Penal.
Ou seja, haveria desprezo em matéria de competência aos crimes previstos em outros dispositivos legais, ainda que prevejam o sacrifício do bem jurídico “vida”, sendo seu processamento declinado aos juízes singulares.
A entidade afirma que a intenção do legislador constituinte era proteger o bem jurídico “vida”, delegando-lhe a competência para processamento integralmente ao Tribunal do Júri, de forma a ampliar a participação popular na administração da Justiça Penal.
Em vista disso, submete à apreciação do Senhor Deputado Arnaldo Madeira minuta de projeto de lei nesse sentido.
2. Análise preliminar da proposta:
Sob o aspecto da constitucionalidade formal, a proposta insere-se no rol de matérias de competência privativa da União (art. 22, inc. I). Não sendo matéria de competência exclusiva ou privativa de qualquer dos Poderes (art. 61, caput), não há óbice à iniciativa parlamentar para sua propositura. Contudo, a via eleita (projeto de lei ordinária), porém, merece alguns comentários.
Conforme advertiu a própria entidade, O STF tem adotado interpretação restritiva sobre o conteúdo da expressão “crimes dolosos contra a vida”, contido na alínea “d” do inc. XXXVIII do art. 5º da Constituição, para delimitar a competência do Tribunal do Júri aos crimes previstos nos arts. 121 a 127 do Código Penal.
Em vista disso, possivelmente, a via mais adequada ao fim pretendido seria uma proposta de emenda à Constituição, a fim de afastar toda e qualquer dúvida ou restrição interpretativa. Isso porque, ainda que o PL fosse aprovado e sancionado, haveria toda sorte de discussão jurídica em relação à conformidade da nova redação com o que dispõe materialmente a Constituição.
Não se tratando de proposta tendente a abolir direitos e garantias individuais, consagradas como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inc. IV), entre as quais se encontra a instituição do Tribunal do Júri (art. 5º da CF), mas, ao contrário, ampliar o alcance normativa de garantia fundamental, uma PEC nesse sentido não encontraria vício formal.
Apesar disso, a proposta por lei ordinária é aproveitável, respeitada a sua eficácia em relação ao fim almejado. Além disso, já tramita(ram) na Casa outras propostas no mesmo sentido, entre as quais:
1. Proposição: PL-6998/2006
Autor: Comissão de Legislação Participativa
Data de Apresentação: 05/05/2006
Ementa: Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal - e aumenta a competência do Tribunal do Júri.
Situação: CCJC: Pronta para Pauta.
2. Proposição: PL-6935/2006
Autor: José Divino - PMR /RJ
Data de Apresentação: 25/04/2006
Ementa: Dispõe sobre o processamento e julgamento pelo Tribunal do Júri Popular dos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
Situação: ARQUIVO: Tramitando em Conjunto.
No primeiro projeto, PL 6998/2006, o relator, deputado Neucimar Fraga, afirma que “a proposição em epígrafe da Comissão de Legislação Participativa pretende tornar qualificado o homicídio praticado sem motivo e tornar relativa a presunção de violência prevista no caput do art. 224; além de dar competência ao Tribunal do Júri para julgar os crimes de lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3ºdo CP) e do latrocínio (art. 157, § 3º, parte final do CP).”
Seu parecer concluiu pela rejeição do projeto.
Nos aspetos formais, apesar de constitucional, considerou injurídico e redigido sob má técnica legislativa, na medida em que a “o artigo 7º da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe: (...) excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto”. Assim sendo, o PL “não pode tratar de vários objetos e assuntos ao mesmo tempo, uma vez que não se trata de codificação e também que, no caso do Tribunal do Júri , a sua competência encontra-se regulada no § 1º do art. 74 do Código de Processo Penal – Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941”.
Quanto ao mérito, o relator adotou as razões do parecer da CCJC na análise do Projeto de Lei nº 779, de 2007, e de seus apensos (PLs nºs 1.639/2007, 1.665/2007 e 2.043/2007), para igualmente rejeitar o PL:
“No mérito, os Projetos não merecem prosperar. Embora não haja impedimento para a atribuição de novas funções ao Tribunal do Júri, na prática, essa disposição não traria benefícios à prestação jurisdicional. Lembre-se, em primeiro lugar, que o Júri é composto de juízes leigos, dos quais não se exige domínio técnico do direito. No momento em que se atribuir a esses juízes, sem formação jurídica, competência para julgar questões legais que exigem conhecimento de princípios de direito, de legislação penal e processual e de teoria geral do direito penal e processual penal, estaremos permitindo distorções inconciliáveis com o sistema judicial vigente.
O mesmo delito, dependendo de haver ou não o resultado morte, será julgado de forma diferente, com a aplicação de princípios diversos, com técnicas jurídicas divergentes e com soluções que poderão até mesmo se afastar da finalidade prevista pelo legislador. Apesar da possibilidade do evento morte, o delito em questão não é o homicídio, porém, um outro tipo penal completamente diverso. Poderia ser, por exemplo, um crime conta o patrimônio, em que houvesse o resultado morte. Estaríamos atribuindo competência ao Júri para julgar crimes contra o patrimônio, pois o resultado morte não muda a natureza jurídica do crime. A morte, no caso, é um resultado preterdoloso, que trará, como conseqüência, o agravamento da pena. O núcleo do tipo penal continua vinculado à esfera patrimonial.
Os jurados é que decidiriam sobre o fato principal, a ilicitude, a culpabilidade e as circunstâncias, que, no exemplo citado, envolveriam crime contra o patrimônio, e não contra a vida.
Desse modo, retirar essa competência do juiz de direito, para entregá-la a um júri leigo poderia acarretar distorções na prestação jurisdicional e na correta aplicação da lei penal e processual.”(Clique aqui para ler o texto integral do PL 6998/2006 e o parecer do relator, deputado Neucimar Braga).
Houve, portanto, posicionamento político (quanto ao mérito), baseado em manifestações anteriores da Casa.
Além disso, a sugestão de redação proposta pode ser mais bem trabalhada, para harmonizar-se com a linguagem adotada na lei que se pretende atualizar (CPP), sob os aspectos de boa técnica legislativa.
3. Conclusão
Verifica-se, portanto, que a proposta, em uma análise superficial e preliminar, não encontra óbices quanto à sua constitucionalidade, juridicidade e legalidade.
Todavia, em um posicionamento de interpretação normativa da Constituição mais apurado e restritivo, o projeto poderia colidir com a posição atualmente adotada pelo STF e, assim, enfrentar questionamentos acerca de sua eventual inconstitucionalidade material.
De outro lado, adotando-se doutrina diversa, pode-se concluir que a competência atribuída pelo constituinte ao Tribunal do Júri não é exaustiva, sendo, portanto, mínima, de forma a permitir a sua ampliação por lei específica.
Quanto ao mérito, sugere-se um estudo com os setores da sociedade diretamente atuantes na questão penal, como membros do Ministério Público, magistratura e advogados atuantes.
FABRÍCIO DA MOTA ALVES
Assessor jurídico
Gab. Dep. Arnaldo Madeira
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