Ministros entenderam que nulidades apontadas pela defesa não comprometeram a imparcialidade do julgamento.
A 2ª turma do STF manteve decisão monocrática do ministro Dias Toffoli e validou Júri que condenou quatro responsáveis pelo incêndio ocorrido na Boate Kiss, em 2013, determinando a prisão dos réus.
Ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes seguiram entendimento do relator de que as nulidades reconhecidas pelas instâncias inferiores violaram a soberania dos veredictos e a plenitude de defesa.
Por sua vez, ministros André Mendonça e Nunes Marques ainda não se manifestaram.
Toffoli proferiu decisão em setembro de 2024, após apresentação de recurso pelo MP para anular decisões da Justiça do Rio Grande do Sul e do STJ que suspenderam as condenações.
Assim, seguem valendo as condenações dos ex-sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e do produtor musical Luciano Bonilha.
O julgamento do caso, que já dura mais de uma década, passou por diversas instâncias.
No TJ/RS, a 1ª câmara Criminal declarou a nulidade do júri anterior, acatando argumentos da defesa de que irregularidades processuais comprometiam a imparcialidade do julgamento.
Entre os pontos controversos estavam o sorteio de um número excessivo de jurados, a realização de reunião reservada entre o juiz presidente e o conselho de sentença sem a presença das partes, e a formulação dos quesitos apresentados aos jurados.
Essas nulidades foram confirmadas pela 6ª turma do STJ, que determinou a anulação do julgamento e a realização de um novo júri.
Soberania do Júri
Ao analisar o recurso do MP, ministro Dias Toffoli entendeu que as nulidades reconhecidas pelas instâncias inferiores violaram preceitos constitucionais, como a soberania dos veredictos e a plenitude de defesa. Ademais, entendeu que questões suscitadas pela defesa estariam preclusas.
Sorteio de jurados
O TJ/RS havia anulado o julgamento com base na alegação de que o sorteio de 305 jurados, muito superior ao previsto na legislação, e a ausência de tempo adequado para que as defesas investigassem os jurados, prejudicaram o direito à defesa.
Toffoli entendeu que, apesar da irregularidade, nenhum dos jurados sorteados na última seleção fez parte do Conselho de Sentença, não havendo, portanto, prejuízo concreto à defesa.
"Tenho que o reconhecimento de mencionada nulidade vai de encontro ao que estabelece o art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas ''a'' (plenitude de defesa) e ''c'' (soberania dos veredictos). Isso porque não houve cerceamento à plenitude de defesa perante o Tribunal do Júri, diante do fato de que a apontada irregularidade deu-se no último sorteio realizado em 24/11/2021, sendo certo que dentre o 7 (sete) jurados que compuseram o Conselho de Sentença nenhum deles foi oriundo desse último sorteio."
O ministro também ressaltou que a referida nulidade estaria preclusa, pois apenas o réu Elissandro se insurgiu contra o ponto, se limitando a afirmar que "se reservava ao ''direito de apenas se manifestar em Plenário''".
Assim, o ministro entendeu que nenhum dos réus apontou "específica e concretamente nada relacionado ao sorteio dos jurados nos termos em reconhecida a nulidade no julgamento da apelação criminal".
Reunião reservada
Quanto à reunião reservada entre o juiz presidente e os jurados, realizada sem a presença do MP e das defesas, o ministro entendeu que, embora a reunião tenha sido um erro processual, a anulação do julgamento baseou-se em uma interpretação equivocada da necessidade de demonstração de prejuízo efetivo à defesa.
O ministro considerou, neste ponto, que houve a preclusão da alegação, seguindo entendimento da PGR, de que nulidades deveriam ser apresentadas "imediatamente, na própria sessão de julgamento, conforme estabelecido no art. 571, VIII do CPP".
A suposta nulidade decorrente da quesitação também foi afastada pelo ministro com base na preclusão.
Assim, ao final Toffoli determinou a cassação das decisões do TJ/RS e do STJ, restabelecendo a validade do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, que havia condenado os réus pelo incêndio.
O incêndio
Em 27/1/13, a Boate Kiss em Santa Maria/RS, sediava uma festa universitária denominada "Agromerados". Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate.
A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar. A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos.
O local estava superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que tinham saído, mas voltaram para ajudar.
A tragédia deixou 242 pessoas mortas e 636 feridos.