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29/04/2019  - STJ: Revelação de votações unânimes no júri não provoca nulidade por ofensa ao sigilo
 
Rogério Sanches Cunha, promotor de Justiça - Estado de São Paulo; Fundador do MeuSiteJurídico.com e do MeuAppJurídico.

Dentre os diversos princípios que regem o Tribunal do Júri, cuida a Constituição do sigilo das votações, ou seja, embora público o debate produzido em plenário, o momento da colheita dos veredictos é sigiloso, mantida, portanto, a sala secreta do Júri para tal fim. Justifica-se esse cuidado em virtude da própria natureza do Júri e da proteção que se deve conferir ao jurado leigo (sem as garantias, portanto, do juiz togado), que não encontraria tranquilidade para julgar fosse pública a votação, sujeita à interferência de populares, parentes da vítima, amigos do réu, etc. Também o trabalho do juiz, por vezes extremamente árduo, consistente em explicar aos jurados todo o procedimento da votação, restaria prejudicado se tivesse que ser realizado em público. Preserva-se, assim, a livre formação da convicção do jurado, imune a qualquer influência externa, preocupação verificada, também, no dispositivo que impõe a incomunicabilidade entre os componentes do conselho de sentença, a fim de que um não interfira na decisão do outro.

Aliás, não havendo possibilidade de o jurado fundamentar sua decisão, a necessidade de publicidade do julgamento seria mesmo inócua. Esse princípio não afronta outro, também de índole constitucional, que garante a publicidade de todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário (art. 93, inc. IX, da CF), pois a própria norma constitucional prevê a possibilidade de exceção à regra, “se o interesse público o exigir”. Ademais, entre uma disposição mais restrita (a que impõe o sigilo das votações) e outra mais abrangente (a que garante a publicidade do julgamento), deve prevalecer, por aplicação da hermenêutica, a primeira.

Interessante notar que tratando-se de um veredicto obtido de forma unânime (7 x 0), seja para condenar ou absolver, o princípio em estudo restava prejudicado ante a conclusão óbvia de que todos os jurados haviam julgado da mesma maneira. Por isso se sustentava, com base na jurisprudência francesa, que uma vez obtida a maioria necessária para um veredicto irreversível (por exemplo, 4 x 1 pela absolvição ou 6 x 0 pela condenação), melhor seria que se interrompesse a colheita dos demais votos, como forma de se preservar o sigilo. Preciosa, nesse sentido, a lição de Ruy Barbosa, para quem “tão absoluto é o império desse preceito, de tal modo se liga às funções vitais da instituição, que, para encerrar o sigilo das responsabilidades do jurado no mistério mais impenetrável, a jurisprudência francesa anula os veredictos quando contarem com a declaração de unanimidade, porque a resposta nesses termos dá virtualmente a conhecer a opinião de todos os jurados”.

Pois bem, a reforma do Júri, operada em 2008, comprometida com a preservação do sigilo e atenta à sugestão doutrinária, corrige essa falha. De sorte que o § 1° do art. 483, determina que “a resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado”. É dizer: se mais de três jurados responderem negativamente aos quesitos referentes à materialidade do fato e à autoria ou participação, a votação estará automaticamente encerrada, no sentido da absolvição do réu, sem que seja necessário se proceder à colheita dos demais votos. Disposição semelhante é encontrada no § 2° do art. 483: “Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?”.

Diante desse sistema, a revelação de que as votações de determinados quesitos foram unânimes é capaz de anular o julgamento? Segundo decidiu o STJ no REsp 1.745.056/MG (j. 15/04/2019), não há nulidade.

Naquele caso, o juiz presidente prosseguiu na apuração dos votos até o final, o que acabou revelando votações unânimes. O Tribunal de Justiça declarou a nulidade do julgamento por violação ao sigilo das votações, mas o Ministério Público interpôs recurso especial alegando não ter havido “prejuízo comprovado aos jurados ou ao réu pela inobservância ao disposto no art. 483, § 1º e § 2º, do CPP, que determina a interrupção da apuração de um quesito quando alcançada a maioria de votos”, além de “inexistir nulidade expressamente prevista no texto legal pela apuração de todos os votos”.

Invocando precedentes, o ministro Joel Ilan Paciornik deu razão ao Parquet. Segundo declinou em seu voto, mesmo em casos como o julgado a nulidade só deve ser reconhecida se demonstrado o prejuízo decorrente do ato atacado, o que não foi apontado nem mesmo pelo tribunal de origem. Por isso, deu provimento ao recurso especial para afastar a nulidade e determinar o prosseguimento do julgamento dos recursos de apelação pela segunda instância:

“O Tribunal de origem entendeu pela ocorrência de nulidade absoluta por ofensa ao sigilo das votações porque os votos de quesitos julgados de forma unânime foram abertos e divulgados na sua totalidade, em potencial prejuízo ao acusado. Cito o trecho:

‘B- DA NULIDADE ABSOLUTA DO JULGAMENTO. Analisando detidamente os autos, constata-se que lamentavelmente padecem estes de vicio insanável, a exemplo do que já decidi quando do julgamento dos Embargos Infringentes n° 1.0024.11.221650-2/009. In casu, a ocorrência verificada no julgamento em tela colide frontalmente com a nova redação do artigo 483, § 2 o . do CPP, dada pela Lei n° 11.689/2008, e, principalmente, encontra-se em confronto com o princípio do sigilo das votações do Tribunal do Júri. Na forma determinada pelo art. 483. do CPP, deveria o d. Magistrado ter iniciado a divulgação das cédulas de votação, cessando a publicidade quando alcançados 04 (quatro) votos em um mesmo sentido, já que o referido dispositivo legal não determina que todas as cédulas sejam abertas, mas pelo contrário, define que em caso de alcançar quatro votos “sim” ou “não”, ou seja, a maioria, deve o magistrado cessar a leitura dos votos em relação àquele quesito. Acerca do assunto, transcreve-se o magistério de Guilherme de Souza Nucci: Colaciona-se também da jurisprudência emanada do c. Supremo Tribunal Federal: Assim, o sigilo na votação dos jurados impede justamente que se extraia desta qualquer presunção que ultrapasse o próprio veredicto condenatório, o que poderia causar prejuízo ao sentenciado. In casu, percebe-se do Termo de Votação colacionado às ff. 1.303-1.304 que 07 (sete) dos quesitos foram respondidos por unanimidade de votos, enquanto outros 06 (seis) de forma não unânime, sendo que os votos proferidos pelos Senhores Jurados foram portanto, abertos e divulgados na totalidade, ferindo a regra constitucional do sigilo das votações (fls. 1701/1702)’

Contudo, esta Corte se posicionou pela necessidade de demonstração de prejuízo para declaração de nulidade, conforme art. 563 do CPP, inclusive para casos de divulgação de todos os votos dados em quesitos apurados no Tribunal do Júri. Cito precedentes:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. SIGILO DAS VOTAÇÕES. VOTAÇÃO DOS QUESITOS LEVADA ATÉ O FINAL, SEM TER SIDO ENCERRADA QUANDO OBTIDA A MAIORIA. ARTIGO 483, §§ 1º E 3º, DO CPP. NULIDADE DO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 523/STF. AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS À DEFESA. MERA IRREGULARIDADE. 1. Cinge-se à questão acerca da nulidade da sessão plenária por ter sido a votação dos quesitos levada até o final, sem ter sido encerrada quando obtida a maioria, em desrespeito ao contido no artigo 483, §§ 1º e 3º, do CPP. 2. No ponto, o Tribunal de origem afastou o vício por não ter o acusado demonstrado o prejuízo sofrido, além de considerar a matéria preclusa. 3. No campo da nulidade no processo penal vigora o princípio “pas de nulité sans grife”, segundo o qual, o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de efetivo prejuízo (art. 563 do Código de Processo Penal). Foi, desse modo, editado pelo Supremo Tribunal Federal o enunciado sumular 523, que assim dispõe: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. Nessa linha, a demonstração do prejuízo sofrido pela defesa – que, em alguns casos de nulidade absoluta, por ser evidente, pode decorrer de simples raciocínio lógico do julgador – é reconhecida pela jurisprudência atual como imprescindível tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta. 4. No presente caso, o Tribunal a quo afastou a ocorrência de qualquer prejuízo. Assim, ausente a demonstração do prejuízo sofrido pelo recorrente, por ter sido a votação dos quesitos levada até o final, sem ter sido encerrada quando obtida a maioria, não há nulidade a ser sanada. 5. Ademais, segundo julgado da Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça “conquanto a regra contida nos §§ 2º e 3º do art. 483 do CPP, com a redação determinada pela Lei nº 11.689/2008, estabeleça o encerramento da votação com a resposta de mais de 3 (três) jurados, a circunstância de o magistrado haver prosseguido na abertura das respostas dos demais jurados não maculou o princípio do sigilo das votações, tratando-se de mera irregularidade” (HC 162.443/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 09/05/2012). 6. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1454610/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 25/05/2016).

(…)

Logo, considerando que no caso concreto a Corte de origem não declinou o efetivo prejuízo suportado pelo recorrido com a divulgação de todos os votos dados para cada quesito, deve ser rechaçada a declaração de nulidade”.

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