::Confraria do Júri::

 
 

 

      

Enquete

Você é a favor da ampliação da competência do Tribunal do Júri para outros crimes seguidos de morte?
 
Sim, para qualquer crime doloso seguido de morte.
Sim, com exceção do estupro seguido de morte.
Não. A competência do Tribunal do Júri deve permanecer a mesma.
Não tenho opinião formada.

 
Ver resultados
 
  
  
     Artigos
 
09/10/2024  - Soberania do povo: A clemência como ato de (in) justiça no Tribunal do Júri
 
Luiz Eduardo Sant´Anna Pinheiro,
promotor de Justiça com atuação no Tribunal
do Júri de Dourado, MS.


Até que ponto o julgamento por clemência,
onde as emoções predominam, os estigmas do
passado influenciam e as questões sociais se
destacam, pode concretizar a equidade? Vamos
entender melhor o assunto.


Na última semana, em 2 de outubro de 2024, o
Supremo Tribunal Federal (STF), em uma
decisão histórica e, por maioria, esclareceu
que a soberania dos veredictos não é
absoluta. Esta temática, que toca nas
fundações da justiça penal e nos direitos
fundamentais, merece nossa reflexão.

Como cediço, a partir da reforma do Código de
Processo Penal, em 2008, instituiu-se no
artigo 483, inciso III, o quesito obrigatório
nas decisões do Tribunal do Júri, qual seja:
“O jurado absolve o acusado?”. É sobre os
limites dessa previsão legal que a Suprema
Corte brasileira foi instada a se manifestar.

Relembrando, o recurso extraordinário
envolvia a possibilidade de um novo
julgamento pelo Tribunal do Júri, após uma
decisão absolutória pelo Conselho de
Sentença, sob a arguta de ser manifestamente
contrária às provas dos autos. A questão
central era se essa reanálise pela instância
recursal violaria a tão proclamada soberania
dos veredictos, garantida pelo artigo 5º,
inciso XXXVIII, alínea "c", da Constituição
Federal.

Por este cenário, a Corte Suprema reconheceu
a repercussão geral do assunto e o catalogou
como Tema 1087, em que o órgão colegiado
deveria deliberar acerca da “possibilidade
de Tribunal de 2º grau, diante da soberania
dos veredictos do Tribunal do Júri,
determinar a realização de novo júri, em
julgamento de recurso interposto contra
absolvição assentada no quesito genérico,
ante suposta contrariedade à prova dos
autos”
.

A conclusão do “leading case” foi no
sentido de que, mesmo nesses casos, em que a
decisão emanada pelos jurados é sigilosa e
imotivada, pois advinda da íntima convicção,
é plenamente cabível o questionamento
recursal.

Temos que a decisão da Corte, que deu
provimento ao recurso e determinou que o
recorrido seja submetido a um novo
julgamento, é acertada e necessária.

Dentre os conceitos que permeiam a temática,
dois deles merecem destaque. Vejamos:

O primeiro deles a abordar é a “Clemência no
Contexto Jurídico”.

Clemência, no contexto jurídico, refere-se à
disposição de um tribunal ou de um júri em
mostrar misericórdia ou indulgência em
relação a um réu, muitas vezes resultando em
uma sentença mais branda ou mesmo em
absolvição. Embora a clemência possa ser
vista como um ato de humanidade e compaixão,
ela também pode, em certas circunstâncias,
comprometer a justiça, especialmente quando
não está fundamentada em evidências
concretas.

Com a devida vênia a posicionamentos
contrários, tenho que, ao se permitir que uma
absolvição, sustentada apenas por clemência
ou por motivos subjetivos dos jurados,
permaneça intocável é arriscar a instalação
do arbítrio no coração do sistema judiciário.
A clemência, quando aplicada sem a devida
consideração das provas, pode minar a
confiança pública no sistema judicial,
sugerindo que decisões possam ser
influenciadas por fatores emocionais ou
pessoais, em vez de serem baseadas em lastro
fático-probatório processual.

O Código de Processo Penal (CPP) já
estabelece que só haverá anulação do
julgamento popular quando a decisão não tiver
qualquer respaldo nas provas apresentadas.
Portanto, ao afirmar que uma resposta
afirmativa ao quesito genérico é indevida,
independentemente da identidade da vítima ou
do autor do crime, reafirmamos nosso
compromisso com uma justiça efetiva e
fundamentada.

Outro aspecto que se avulta é a reflexão
acerca da garantia do “Duplo Grau de
Jurisdição”.

A decisão do STF reforça a importância do
duplo grau de jurisdição e da paridade de
armas entre as partes no processo penal. Não
se trata apenas de garantir direitos; trata-
se de assegurar que a verdade dos fatos
prevaleça em cada caso.

A revisão das decisões do júri é um mecanismo
essencial para evitar injustiças e garantir
que o sistema judiciário funcione como um
verdadeiro instrumento de equidade.

Por mais óbvio que possa parecer, impende
rememorar que a soberania dos veredictos –
assim como outras decisões judiciais -
não pode ser considerado como um manto que
encobre decisões injustas ou desprovidas de
fundamentação probatória.

Afinal, é de consenso geral que a justiça
penal deve ser uma via de mão dupla, qual
seja: ao mesmo tempo em que se pune os
violadores da lei, protegendo a sociedade,
também se exige que a resposta estatal penal
seja concretizada mediante a adoção de
critérios, sempre permeado por um mínimo de
lastro probatório.

Ora, se os jurados decidirem de forma
manifestamente contrária às provas
apresentadas, qual a razão de se obstar a
possibilidade de reanálise dessa decisão?

O direito para o caso concreto não deve
surgir exclusivamente da discricionariedade
ou das forças intrapsíquicas do julgador,
conforme sua vontade e senso de justiça, mas
a partir do confronto de argumentos e provas
exibidos pelos litigantes. Para tanto, deve-
se reconhecer que é direito e dever das
partes de contribuírem para a formação do
provimento jurisdicional criminal, a fim de
que seja justo e legítimo. E, em decisões
desprovidas de qualquer motivação razoável, a
via recursal não pode ser suprimida.

Admitir que uma absolvição, sustentada apenas
por clemência ou por motivos subjetivos dos
jurados, possa permanecer intocável é correr
o risco de permitir que o arbítrio se instale
no coração do sistema judiciário. O Código de
Processo Penal (CPP) já estabelece que,
nesses casos, somente haverá anulação do
julgamento popular quando a decisão não tiver
qualquer respaldo nas provas apresentadas.

Ao nosso sentir, a soberania dos veredictos
deve coexistir com a responsabilidade e a
vigilância sobre as decisões judiciais.
Somente assim poderemos construir um sistema
jurídico robusto e justo, onde cada voz no
tribunal seja ouvida e cada decisão esteja
alicerçada na verdade dos fatos.

E lembremos sempre: A justiça não é apenas um
ideal; é uma prática diária que exige nosso
comprometimento contínuo. Este é o caminho
para um sistema jurídico que verdadeiramente
sirva ao povo e à verdade.

Voltar


comente/critique essa matéria

 

 Confraria do Júri - Rua 6, s/nº, CPA - Cuiabá/MT