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29/03/2021  - Controle de civilizacionalidade
 
Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça do Tribunal do Júri em MT e ex-presidente da Confraria do Júri.

O respeito ao primado do direito à vida constitui o fundamento de uma civilização. A sociedade é civilizada quando pessoas convivem de forma ordenada e harmônica, respeitando umas às outras, a começar pela inviolabilidade do direito de viver.

No mundo jurídico, fala-se bastante em controle de constitucionalidade e, mais recentemente, em controle de convencionalidade. Analisa-se a compatibilidade de leis e atos normativos com a Constituição Federal e as Convenções de Direitos Humanos.

Qualquer um sabe que a vida é a fonte de todos os interesses, direitos e deveres humanos. Não precisa sequer passar em frente a uma faculdade de Direito para saber disso. Tanto o matuto como o doutor têm ciência e consciência dessa premissa básica.

A propósito, não se pode esquecer que o direito à vida não depende de criação legislativa, uma vez que o direito positivo não o constitui, mas apenas o declara. Na linha do pensamento de Frederic Bastiat, não é porque os homens promulgaram leis, que a vida existe, mas, ao contrário, é porque a vida preexiste que os homens fazem as leis(1).

Sem vida, não há deveres, direitos e interesses. A vida é o centro do universo jurídico, no qual gravitam tudo o que diz respeito à pessoa, à sociedade e ao Estado. Daí porque o direito à vida deve ser defendido e protegido de forma integral (tutela adequada e suficiente). Não há lugar para sua desproteção ou proteção deficiente.

Por consequência, o traço mais básico de uma sociedade civilizada é o respeito indistinto ao direito de existir de cada “ser vivo nascido de mulher”(2). A violação à vida de qualquer pessoa implica negação da civilização e, por isso, reclama punição ao violador. A punição ao assassino é uma obrigação intransigível do Estado civilizado.

É correto, então, afirmar que o grau de civilização de um povo é mensurável pelo grau de proteção do direito à vida, que inclui a seriedade e a gravidade da punição ao assassino, pelo Estado.

Assim, a absolvição de assassino, qualquer que seja o motivo, contrária à prova do processo ou à lei, é inconstitucional, injusta e incivilizacional.

Não apenas a absolvição de assassino por legítima defesa da honra é inconstitucional, como afirmou ministro do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 779, mas também toda e qualquer absolvição injusta, qual seja, aquela contrária à lei e/ou prova do processo. Veredicto absolutório injusto é inconstitucional, inconvencional e incivilizacional. Fere os preceitos mais básicos de uma sociedade que tem a pretensão de ser ou tornar-se civilizada.

Não é possível aceitar o inaceitável. A absolvição injusta de assassino não pode ter lugar em civilização alguma, muito menos no Brasil, país que ostenta um dos maiores índices de assassinatos do mundo (3), em que tantas vidas de crianças, adolescentes(4), mulheres(5), homens etc. são violenta e arbitrariamente interrompidas.

Logo se vê que é mais do que necessário que qualquer intérprete ou aplicador do Direito, antes de efetuar qualquer controle de constitucionalidade e de convencionalidade, faça o controle de civilizacionalidade. E isso passa obrigatoriamente pela defesa, proteção e reafirmação da fonte de todos os interesses, direitos e deveres humanos.

A falta de punição, ou a punição insuficiente, ao assassino viola a constituição, as convenções de direitos humanos e, mais que tudo, os sentimentos, os preceitos e os princípios mais básicos, elementares e primários de um Estado Civilizado.

O Julgamento injusto é incompatível com a sociedade civilizada. Daí a previsão de recurso contra absolvição ou condenação injusta, em busca de novo julgamento popular (artigo 593, III, “d”, CPP). A proteção integral da vida também reclama pela proteção judicial efetiva e eficiente. E isso inclui o Tribunal do Júri, por força de sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, XXXVIII, CF).

Como anotado, o Brasil ocupa o pódio infame dos países que mais matam no mundo. Cerca de 60 mil assassinatos por ano. O quadro pode mudar. Um bom começo é que o Supremo Tribunal Federal efetue o controle de civilizacionalidade ao julgar o RE 1235340 (cumprimento imediato da condenação do Júri) e o ARE 1225185 (garantia de recurso ao MP contra absolvição injusta no Júri).

É flagrantemente incivilizacional (“incivilizacionalidade chapada”) que assassino, publicamente julgado e condenado pelo povo, saia livre e solto do Tribunal do Júri, como também o é a negativa à sociedade de recurso em busca de novo julgamento para que possa haver o resgate da justiça, diante de absolvição injusta – contrária à prova ou à lei.

Por tudo isso, é imprescindível que a Suprema Corte, em um permanente processo civilizatório, faça o controle de civilizacionalidade, sob pena de agravamento da incivilidade no país. É preciso escolher a civilização e defenestrar a barbárie, sempre.

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1 - BASTIAT, Frédéric. A lei. Trad. Pedro Sette-Câmara. São Paulo: LVM Editora, 2019, p. 42.

2 - HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal: parte especial. 3ª ed. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 36.

3 - Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-tem-segunda-maior-taxa-de-homicidios-da-americado-sul-diz-relatorio-da-onu/ Acesso em: 10 mar.2021.

4 - No período compreendido entre 1996 e 2017, 191 mil crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram vítimas de homicídio no Brasil. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/homicidios-de-criancas-eadolescentes/ Acesso em: 10 mar.2021.

5 - Foram 13 feminicídios por dia, segundo o Atlas da Violência 2019 (IPEA).

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